Como ajustar o preço de tratamentos a economias emergentes? - Oncologia Brasil

Como ajustar o preço de tratamentos a economias emergentes?

Tratamentos oncológicos de última geração tendem a ter altos custos, pensados para a realidade de países desenvolvidos e incompatíveis com economias como a brasileira.
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Acesso à saúde, especialmente ao se falar de tratamentos oncológicos, é uma questão de suma importância. Particularmente para países em desenvolvimento e com economias instáveis, os desafios de se oferecer medicamentos que deem retorno significativo para os pacientes passam pela questão do preço, desafios estes que se agravam com a tendência de aumento de diagnósticos de câncer.

Trazendo questões como estas, nas quais preços estabelecidos com base em economias mais fortes tornam-se um impeditivo para incorporação e utilização de medicamentos antitumorais, o Dr. Pedro Aguiar, do Américas Centro de Oncologia e da Faculdade de Medicina do ABC, descreve, no editorial mais recente do eCancer Medical Science, o cenário brasileiro atual. Discute também possibilidades para o futuro.

“Eu e meu grupo de pesquisa vimos que estudar farmacoeconomia no Brasil é muito difícil, e tende a ficar ainda mais”, afirma o Dr. Aguiar. Em dezembro de 2019, outra publicação de seu grupo de pesquisadores estudou a custo-efetividade de medicamentos oncológicos frente à realidade econômica brasileira, focando-se na diferença entre a custo-efetividade e a possibilidade real de acesso por camadas socioeconômicas diversas.

A dificuldade citada pelo oncologista está relacionada a disparidades de acesso, causadas principalmente pela grande desigualdade social, bem como pela capacidade financeira de cada unidade de saúde pública ou privada. Além disso, com a economia enfraquecendo e o real valendo cada vez menos, o limiar de custo-efetividade dos medicamentos torna-se gradualmente mais baixo, e menos drogas têm chance de serem custo-efetivas. “A questão nesse caso é: apenas a análise de custo-efetividade é o bastante para discutir incorporação? Porque, se formos levar apenas esse fator, daqui a pouco não conseguiremos incorporar quase nada”, completa.

Dentre os fatores a serem observados ao se analisar uma nova droga está o contraste entre a percepção dos oncologistas a respeito da droga e o quão embasados são os estudos que subsidiam aprovações por órgãos reguladores. “Existem casos de medicamentos que foram aprovados apenas com base em estudos de fase 1-2, por exemplo. Alega-se algum fator impeditivo para conseguir números maiores de pacientes, como a indicação de um medicamento para uma mutação rara, e libera-se a droga com pouca evidência sobre sua eficácia e segurança no mundo real”, comenta o Dr. Aguiar.

“É importante que tratamentos sejam aprovados e regulamentados com base em estudos clínicos que embasem a confiança em sua eficácia e segurança. A aprovação acelerada de medicamentos, por mais que tenha a vantagem de oferecer opções novas para oncologistas e pacientes, também tem o potencial de inserir no mercado drogas que não foram suficientemente testadas,” afirma o oncologista. O risco desta “aposta” muitas vezes recai sobre o próprio fabricante, segundo Aguiar. “Quando um medicamento é aprovado em fase I e depois os dados do estudo de fase III concluem não haver um efeito tão grande, é a reputação da fabricante que está em jogo. Algo assim não pega bem”, comenta.

Essas são algumas questões que surgem no cenário das novas discussões em torno de farmacoeconomia que têm surgido no Brasil e em outras nações em desenvolvimento. O editorial da eCancer Medical Science foi concebido com a ideia de discutir como se tem construído esse cenário de discussões, e quais as possibilidades da farmacoeconomia trazer mudanças ao cenário de acesso à saúde em países com economias fracas e instáveis.

“Não é tão simples fazer previsões a respeito dos efeitos dessa nova onda de estudos sobre farmacoeconomia no Brasil porque tanto o SUS quanto as operadoras de saúde têm realidades muito diferentes. Para algumas dessas realidades, imagino que a tendência seja a de que a prática médica incorpore cada vez mais os estudos de custo-efetividade, permitindo uma avaliação mais completa e contínua dos medicamentos”, diz o Dr. Aguiar. “Para outros serviços privados, é bem possível que as coisas continuem como estão, pois é mais simples manter o status quo.”

E há outras questões, para além dos parâmetros clínicos, a serem levadas em conta, que também diferem, na realidade brasileira, de países desenvolvidos. A tendência de incorporar dados de qualidade de vida e trazer para a discussão do “valor em saúde” a perspectiva de pacientes, por exemplo, é dificultada pela dificuldade em encontrar bons questionários, especialmente os mais recentes, aprovados para a língua portuguesa. Com isso, o Dr. Aguiar afirma que, muitas vezes, a perspectiva do paciente é sub-representada.

A própria definição do limiar de custo-efetividade é afetada por particularidades da realidade socioeconômica brasileira: “Nós vivemos em um país muito desigual. Quando se calcula o limite de gastos de um medicamento com base em médias como o PIB per capita, perde-se a diversidade real de faixas de renda em cada serviço. A população do SUS, por exemplo, teria um limiar mais baixo do que a de pacientes de um serviço privado?”

O artigo de dezembro de 2019 menciona que “os custos crescentes de medicamentos antineoplásicos mais recentes, que chegam a valores de 150 mil dólares por ano, representam uma barreira de alto impacto para o acesso de pacientes a tratamentos ao redor do mundo. No Brasil, por exemplo, o acesso de pacientes a tratamentos inovadores depende muito do acesso de cada indivíduo a planos e seguros privados de saúde.”

As pesquisas recentes do Dr. Aguiar e seu grupo apontam para a importância de ganhar mais informação sobre como essas desigualdades socioeconômicas geram padrões diferentes de acesso, e influenciam decisões farmacoeconômicas em diferentes escalas. Isso traz de volta a questão de preços uniformes frente a economias de diferentes forças. “Nós temos classes de medicamentos, como é o caso dos agentes anti-EGFR de primeira geração, que têm um custo nos Estados Unidos e outro, bastante inferior, no Brasil,” afirma o autor.

“Porém, as precificações mais recentes têm sido feitas com base nos valores já praticados em outros países, normalmente se consideram os três preços mais baixos. Com isso, você tem uma droga custando mais ou menos a mesma coisa em países de economias tão distintas quanto a brasileira e a norte-americana. Se você ajusta o preço pelo poder de compra, isso significa que o medicamento custa, proporcionalmente, muito mais para um brasileiro do que para um estadunidense”, completa ele.

O artigo cita duas possíveis alternativas ao atual esquema de precificação e incorporação, e às características deste esquema que são prejudiciais a países em desenvolvimento: as benchmark interventions e as league table interventions.

“O modelo de benchmark intervention é bastante favorável, por exemplo, para drogas indicadas para doenças raras”, explica o oncologista. E explica: “Medicamentos para este tipo de indicação dificilmente são custo-efetivos, porque o preço costuma ser muito elevado pela raridade da doença. Neste modelo, é estabelecido um novo limiar de incorporação, não mais baseado no que seria a custo-efetividade real do medicamento, mas na custo-efetividade em relação à melhor droga disponível para aquela indicação.”

Além deste esquema de intervenção, que favorece a incorporação de tudo o que for mais custo-efetivo do que uma droga de referência, existe também o modelo de league table, importante para a definição de prioridades de tratamento para uma mesma indicação. “Neste modelo, junta-se um time de especialistas, que farão um ranking das opções terapêuticas disponível para cada tipo de doença. Com base no ranking geral, no número de casos, e nos recursos financeiros disponíveis, tomam-se as decisões sobre incorporação”, detalha o Dr. Aguiar.

“Uma vez que o processo de precificação em um país depende dos preços praticados nos outros, tem-se muita dificuldade em ajustar a tomada de decisões com base no custo-efetividade de uma droga em cada realidade local”, elabora. E conclui: “A melhor ferramenta para essa tomada de decisões para os oncologistas brasileiros, na minha visão, é o modelo de league table. Ele permite que o sistema tenha mais transparência, tanto para os oncologistas quanto para gestores e pacientes.”

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