Papel dos inibidores de tirosino-quinases no tratamento de segunda linha do carcinoma renal - Oncologia Brasil

Papel dos inibidores de tirosino-quinases no tratamento de segunda linha do carcinoma renal

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Revisão dos principais inibidores tirosino-quinases na segunda linha de tratamento do carcinoma renalos alvos da inibição de VEGFR, MET e AXL e o perfil de segurança da classe

O carcinoma de células renais (CCR) é o tumor de rim mais comum e a terceira neoplasia genitourinária de maior incidência em adultos, apresentando mais de 400.000 novos casos e mais de 175.000 mortes a cada ano nos Estados Unidos. A classificação atualizada da organização mundial de saúde divide o CCR em 16 subtipos, sendo o carcinoma de células claras renais (cCCR) responsável por 60-80% dos casos. 

O desenvolvimento das técnicas de análise genômicas possibilitou um maior entendimento da carcinogênese desses tumores, impactando no desenvolvimento de novas estratégias farmacológicas com alvo em alterações no microambiente tumoral ou em processos metabólicos desregulados desses tumores. Estudos de sequenciamento gênico de larga escala evidenciaram a presença de um padrão de desregulação de vias de sinalização e do metabolismo glicolítico, que resultam em exacerbada angiogênese. Nesse contexto, >90% dos cCCR apresentam inativação do gene VHL (ou em outro gene do seu complexo proteico), por mutação ou silenciamento epigenético, resultando em hiperatividade do fator induzível por hipóxia (HIF1αe HIF12) que, por sua vez, estimula a transcrição de genes envolvidos na progressão do ciclo celular, na desregulação do metabolismo glicolítico e na angiogênese, como o gene VEGF. Alterações em outras vias hierarquicamente inferiores, mas com papel importante, também foram descritas, como em PI3K–AKT–mTOR (e do regulador negativo PTEN) e em genes evolvidos no controle balanço epigenético (PBRM1, SETD2, BAP1 e KDM5C).  

O uso clínico de inibidores de tirosino-quinase (TKI) anti-VEGFR mudou o cenário do CCR metastático nas últimas duas décadas, que antes era baseado em tratamento com IL-2 em alta dose ou em INF-α. Desta, forma, alguma dessas moléculas (sunitinibe, pazopanibe, cabozantinibe, axitinibe e sorafenibe) tiveram aprovação para uso clínico em primeira ou em linhas subsequentes. 

Em torno de 1/3 dos pacientes, a apresentação inicial ocorre como doença avançada e o tratamento sistêmico baseado na combinação de inibidores de checkpoint imunológico (ICI) (ipilimumabe + nivolumabe) ou a associação desses com os TKIs (axitinibe + avelumabe; axitinibe + pembrolizumabe; nivolumabe + cabozantinibe; lenvatinibe + pembrolizumabe) proporciona importantes benefícios clínicos e controle de doença em boa parcela dos pacientes. Na inacessibilidade/contraindicação dos esquemas com ICI, ou mesmo na progressão a estes, os TKIs podem ser utilizados; ressaltando que não há aprovação para o axitinibe ou para o lenvatinibe como monoterapia em primeira linha, e que nivolumabe ou cabozantinibe foram os únicos com ganho de sobrevida global (SG) em segunda linha após progressão a outro TKI anti-VEGFR.   

Contudo, eventualmente todos os pacientes adquirem resistência em algum momento aos TKIs com sobrevida livre de progressão (SLP) inferior a 12 ou 10 meses em primeira ou segunda linha, respectivamente. Vários mecanismos estão envolvidos nessa resistência adquirida, como a regulação positiva de outras vias de sinalização paralelas compensatórias num ambiente de hipóxia (mediados pelo HIF) ou a inibição inadequada do VEGFR por menor biodisponibilidade do fármaco ou polimorfismo do receptor.  

De forma interessante, foi demonstrado, tanto em amostras tumorais de pacientes como em modelos in vivo e in vitro, que a exposição crônica de células do cCCR ao sunitinibe está associada a ativação de vias acessórias como dos receptores MET e AXL (mediados pelo HIF) que interagem entre si e orquestram mudanças fenotípicas com aumento de invasividade e de resistência à terapia. Nesse contexto, o uso de fármacos com atividade ampla contra VEGFR, MET e AXL, como o cabozantinibe, pode reverter esses mecanismos de resistência em modelos experimentais. Nesse sentido, o cabozantinibe demonstrou superioridade ao everolimus com ganho de SG (21.4 versus 16.5 meses; HR 0,66; 85% IC, 0,53-0,83; P=0,0026) em pacientes que tinham recebido pelo menos 1 linha de TKI anti-VEGFR no estudo prospectivo de fase III METEOR.  

Outras moléculas demonstraram benefício clínico em estudos de segunda e/ou terceira linha, como o axitinibe (anti-VEGFR, PDGFR e c-KIT) que foi superior ao sorafenibe nos estudos de fase III AXIS. A combinação de lenvatinibe (anti-VEGFR, PDGFR, c-KIT e RET) com everolimus demostrou superioridade em termos de SLP (14.6 versus 5.5 meses; HR 0,40; 95% IC, 0.23-0.68) e de SG (25,5 versus 15,4 meses; HR 0,67; 95% IC: 0.42 – 1.08) versus everolimus em estudo de fase II.  

O pazopanibe (anti-VEGFR, PDGFR e c-KIT) teve sua eficácia comprovada em 2ª linha em estudo da fase III (versus placebo que podia incluir pacientes após 1ª linha com citocinas), resultando em ganho de SLP (9.2m versus 4.2m) e em ensaio clínico de fase II após progressão a sunitinibe ou bevacizumabe atingindo SLP de 7.5m e SG em 24 meses de 43%.  

O sunitinibe (anti-VEGFR, PDGFR e c-KIT) teve sua atividade antitumoral comprovada em 2ª linha em estudos retrospectivos após progressão ao tratamento com citocinas. Já o sorafenibe (anti-RAF, VEGFR, PDGFR, FLT3, c-KIT e RET), teve sua eficácia avaliada após 1ª linha em análises retrospectivas e em um estudo de fase III (versus placebo, TARGET Trial). Neste último, houve ganho de SLP (5.5 versus 2.8 meses), mas sem ganho de SG. Este último desfecho foi atingido ao mensurar os crossovers (17,8 versus 14,3 meses HR 0.78; 95% IC, 0.62-0.97; P=0.027). Levando em consideração os estudos de tratamentos após 1ª linha, uma metanálise demonstrou maior probabilidade de ganho de SLP em 3 anos para o cabozantinibe sobre everolimus, nivolumabe e axitinibe.  

Decorrente da inibição da sinalização do VEFG, ocorre um desequilíbrio na interação entre endotélio e vasos sanguíneos, resultando em eventos vasculares, como a hipertensão, e outros não diretamente relacionados a esse mecanismo, destacando-se a eritrodisestesia palmo-plantar, diarreia, exantema, fadiga, vômitos, perda ponderal, estomatite, hipotireoidismo, estomatite e outros. O manejo desses eventos é baseado em abordagem multidisciplinar e inicia-se já na orientação de administração das doses1 hora antes ou 2 horas após as refeições. A diarreia pode ser manejada com ajustes na dieta, incluindo o consumo de alimentos menos propícios a fermentação por bactérias intestinais, o uso de probióticos e o manejo farmacológico com loperamida. Embora com evidência escassa, o uso de cremes com ureia ou corticoides pode auxiliar no alívio dos sintomas da eritrodisestesia palmo-plantar. Monitorizar os níveis TSH e T4L também é importante para o diagnóstico precoce de hipotireoidismo que pode contribuir com a fadiga e necessitar de reposição hormonal de levotiroxina se TSH >10 ou presença de sintomas relacionados. A fadiga também pode estar relacionada ao sedentarismo e o estímulo à atividade física representa uma etapa importante no seu manejo. Avaliações regulares dos níveis pressóricos são necessárias, visto que alguns desses TKIs estão associados a hipertensão arterial grau 3 em até 15%, necessitando, portanto, do uso de anti-hipertensivos e/ou redução da dose do quimioterápico. Nesse contexto, a maioria dos pacientes necessita de redução de dose em algum momento do tratamento para manejo desses efeitos colaterais e uma considerável parcela de pacientes necessita de suspensão do tratamento por intolerância.  

Entretanto, ainda não dispomos de estudos randomizados prospectivos que avaliem o uso de TKIs após a progressão com esquemas contendo os ICI. Uma interessante análise observacional retrospectiva apresentada no congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) em 2021, avaliou o uso cabozantinibe versus outros TKIs (sunitinibe, sorafenibe, pazopanibe, lenvatinibe e axitinibe) subsequente a linha prévia com ICI. A despeito dos resultados semelhantes de SG, o cabozantinibe apresentou maior taxa de resposta objetiva em relação aos outros TKIs (53.5 versus 38.3%; p=0.041), maior tempo até descontinuação do tratamento (6.2 versus 3.1 meses; p=0.015), maior taxa de redução de dose (47.1 versus 41.7%), mas uma menor descontinuação por eventos adversos (31.3 versus 40.4%). 

O tratamento do carcinoma renal, sobretudo do subtipo de células claras, evoluiu consideravelmente nas últimas décadas, saindo de uma era com limitadas terapias baseadas em citocinas para um cenário atual amplo e sustentado por inibidores de checkpoint imunológicos e de tirosina-quinase. A caracterização mais precisa dos subtipos tumorais e das vias de sinalização que regem a carcinogênese, bem como a resistência às terapias, continuará a contribuir para a individualização do tratamento desses pacientes. 

 

Referências:

 

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