Nesta coluna, o especialista faz uma análise dos principais estudos que embasam o uso da terapia endócrina adjuvante, além do período ideal de tratamento, em pacientes com câncer de mama RH+
Imagine você, oncologista ou residente de oncologia, diante do seguinte caso hipotético: paciente do sexo feminino, 56 anos de idade, sem comorbidades e na pós menopausa, que notou um nódulo na mama direita há 1 mês. A mamografia, complementada por ultrassom de mamas, indicou uma lesão de 2,4 cm no maior diâmetro no quadrante superior lateral, axilas livres; BI-RADS 4. Após a biópsia por mamotomia confirmar um carcinoma ductal invasivo, optou-se pela quadrantectomia com pesquisa de linfonodo sentinela (pT2pN0, RE 95%, RP 95%, HER2 negativo, GH 2, Ki67 10%. Oncotype = 20), seguida pela radioterapia adjuvante. Nesse caso, quais seriam os tipos e os períodos ideais de terapia endócrina adjuvante indicados?
A terapia endócrina adjuvante é o pilar do tratamento sistêmico às pacientes com câncer de mama positivo para receptor hormonal (RH+)[1]. Devido ao risco substancial de recorrência tardia nessas mulheres, vários estudos avaliaram a eficácia da terapia endócrina estendida para além de 5 anos.
Para pacientes na pós menopausa, a administração de inibidores de aromatase por 5 anos, ou durante 2 a 3 anos subsequentes ao uso de tamoxifeno por 2 a 3 anos (early switch strategy), demonstraram superioridade em relação ao tamoxifeno sozinho e atualmente são o padrão de terapia endócrina adjuvante às pacientes na pós menopausa com câncer de mama RH+[2-4]. O benefício de estender o inibidor de aromatase por mais de 5 anos se tornou um assunto cada vez mais relevante.
Em setembro de 2021, foi publicado no The Lancet Oncology, o GIM4 (NCT01064635)[5], um estudo italiano, multicêntrico, de fase 3, randomizado e aberto. O objetivo deste estudo foi comparar a terapia estendida com letrozol por 5 anos versus o tratamento padrão de 2 a 3 anos com este inibidor de aromatase, em pacientes na pós-menopausa com câncer de mama RH+, que já tinham recebido tamoxifeno por 2 a 3 anos no cenário adjuvante e estavam livres de recorrência após esse período inicial. O desfecho primário foi a sobrevida livre de doença (SLD) na população com intenção de tratar e os secundários incluíram sobrevida global (SG) e segurança.
Ao todo, 2056 pacientes foram inscritas e designadas aleatoriamente na proporção 1:1 para receber letrozol 2,5 mg via oral ao dia durante 2 a 3 anos (n = 1030; grupo controle) ou por 5 anos (n = 1026; grupo estendido). Após um acompanhamento médio de 11,7 anos, a SLD aos 12 anos foi de 62% (IC 95% 57–66) no grupo controle versus 67% (IC 95% 62–71) no grupo estendido (HR 0,78; IC 95% 0,65–0,93; P = 0,0064) e a SG aos 12 anos foi de 84% (IC 95% 82–87) versus 88% (IC 95% 86–90), respectivamente (HR 0,77; IC 95% 0,60–0,98; P = 0,036). Análises post-hoc de SLD e SG aos 5 e 10 anos, entretanto, não mostraram diferenças entre os dois grupos, sugerindo que o efeito do letrozol pode levar mais de uma década para ser observado, o que ressalta a importância do tempo de seguimento adequado com a administração dos inibidores de aromatase.
Por outro lado, a duração ideal da terapia estendida ainda é bastante debatida. O NSABP B-42 (NCT00382070)[6], um estudo de fase 3, avaliou 3966 mulheres na pós-menopausa com câncer de mama RH+ estádio I-IIIA e livres de doença após os primeiros 5 anos de tratamento com inibidor da aromatase ou terapia sequencial (tamoxifeno seguido por inibidor da aromatase), às quais foram aleatoriamente distribuídas 1:1 para receber letrozol por mais 5 anos ou placebo. Após um acompanhamento médio de 9,3 anos, demonstrou-se ganho significativo de SLD aos 10 anos com a terapia estendida versus placebo (HR 0,84; IC 95% 0,74–0,96; P = 0,011), com efeito mais pronunciado nas pacientes que receberam terapia sequencial (HR = 0,76; P < 0,001). A duração de tratamento entre os estudos, isto é, 7 a 8 anos no GIM4 e 10 anos no NSABP B-42, refletem a discussão de qual seria o tempo ideal de terapia estendida. Os resultados do IDEAL[7] e do ABCSG-16[8], por sua vez, podem auxiliar nessa definição.
IDEAL e ABCSG-16, ambos estudos de fase 3, avaliaram mulheres na pós menopausa com câncer de mama inicial RH+, as quais receberam 5 anos de terapia hormonal adjuvante (inibidores de aromatase, tamoxifeno sozinho ou terapia sequencial) e que foram aleatoriamente designadas para o uso de inibidores de aromatase (letrozol [IDEAL] ou anastrozol [ABCSG-16]) por 5 anos adicionais versus 2,5 anos no IDEAL ou versus 2 anos no ABCSG-16. Os dois estudos observaram que a terapia estendida por 10 anos não foi superior a 7,5 nem a 7 anos, respectivamente. Dessa forma, a terapia endócrina adjuvante por 7 a 8 anos, incluindo os primeiros 5 com inibidores da aromatase, pode ser a duração ideal de tratamento nessas pacientes.
Além disso, 7 a 8 anos de terapia endócrina podem representar a melhor estratégia entre eficácia e toxicidade. No GIM4, os eventos adversos de grau 3 e 4 mais comuns foram artralgia (2,2% no grupo controle vs 3,0% no grupo estendido) e mialgia (0,7% vs 0,9%). Osteoporose ocorreu em 4,7% vs 8,3%. Nenhuma diferença foi observada na incidência de fraturas ósseas, hipercolesterolemia e eventos cardiovasculares. Eventos graves foram relatados em 0,3% no grupo controle (fibrilação atrial, dor óssea e vômitos) e 0,8% no grupo estendido (pneumonia, degeneração macular, eventos tromboembólicos e cardiovasculares). Nenhuma morte relacionada aos eventos adversos foi observada. As principais razões para a descontinuação da terapia foram os eventos adversos (8,9% no grupo controle versus 14,4% no grupo estendido), especialmente artralgia (4,3% versus 7,7%) e mialgia (< 1% versus < 1%). Esses dados confirmam, assim como observado nos demais estudos citados, que as toxicidades clinicamente relevantes são induzidas por maior duração de tratamento com os inibidores de aromatase.
Portanto, graças ao meritório trabalho dos pesquisadores do GIM4, a terapia endócrina sequencial com tamoxifeno por 2 a 3 anos seguida de letrozol por 5 anos, deve ser considerada padrão de tratamento às pacientes com câncer de mama RH+ na pós menopausa, com ganho significativo para as sobrevidas livre de doença e global em relação ao grupo controle. As diretrizes afirmam que uma abordagem individualizada é necessária, especialmente em mulheres com câncer de mama sem acometimento linfonodal, a fim de decidir a duração ideal de hormonioterapia adjuvante com base na redução do risco de recidiva e tolerância. Entretanto, nenhum dos estudos até então demonstraram melhora de sobrevida global com a extensão do uso dos inibidores da aromatase. Segundo os autores do GIM4, essa afirmação não é mais apoiada pelas atuais evidências e provavelmente será atualizada para a melhor tomada de decisão clínica referente à terapia endócrina adjuvante.
Referências:
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