Como a medicina de precisão pode contribuir para o tratamento do câncer - Oncologia Brasil

Como a medicina de precisão pode contribuir para o tratamento do câncer

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 Modalidade de tratamento mais personalizada e assertiva teve aumento de popularidade na última década 

Na última década houve um aumento expressivo da popularidade da medicina de precisão, ou seja, da customização do tratamento de acordo com características genéticas e moleculares de uma doença. No seu relatório anual de 2020, o U.S. Food and Drug Administration (FDA), contou com 19 novas aprovações para tratamentos personalizados, o equivalente a 39% de todas as moléculas terapêuticas aprovadas naquele ano, a maior porcentagem identificada desde 2018. Tratamentos personalizados agora correspondem a mais de um terço das aprovações de drogas nos últimos quatro anos. No campo da oncologia, foram nove novas aprovações e mais de 20 novas indicações para medicações que já haviam sido aprovadas previamente para outras finalidades. Outro grande avanço no ano de 2020 foi a aprovação e/ou expansão de indicação de cinco testes diagnósticos que auxiliarão na tomada de decisão de tratamento para tumores sólidos, em especial para tumores de pulmão (1). 

A testagem molecular para tumores de pulmão localmente avançados ou metastáticos é considerada hoje como procedimento “standard”. Pacientes com maior chance de terem uma mutação genética para a qual exista um tratamento direcionado são aqueles com baixa ou nenhuma carga tabágica, pacientes do sexo feminino, jovens e/ou de ascendência Asiática. Consensos de especialistas indicam testagem molecular para todos os pacientes com tumores de histologia de adenocarcinoma e carcinoma sarcomatóide independente das características clínicas, ou com histologia de células escamosas que tenham apresentação atípica – idade jovem, baixa carga tabágica ou presença de lesão periférica. O painel genômico ideal para esses casos deveria incluir testagem de mutações no gene EGFR, fusões no gene ALK, rearranjos no gene ROS1, mutações no gene BRAF tipo V600E, fusões do gene NTRK, mutações ou amplificações no gene HER2, mutações do tipo “skipping” no exon 14 ou amplificações do gene MET, translocações do gene RET ou mutações do gene RAS. No entanto, essas pesquisas moleculares ainda são limitadas por questões regulatórias e políticas de acesso à saúde (2). 

Mutações no gene EGFR são a principal alteração genômica encontrada em tumores de pulmão no cenário metastático, ocorrendo em aproximadamente um terço dos casos. A prevalência dessas mutações varia de acordo com a etnia, sendo mais frequente na Ásia (38%) do que na Europa e na América (14 e 24% respectivamente). As alterações mais prevalentes nesse gene são as deleções no exon 19 ou a substituição de aminoácido na posição L858R no exon 21 – elas representam 85% das mutações e podem ser classificadas como mutações comuns. Dentre as mutações raras de EGFR, a inserção de aminoácidos no exon 20 é a mais frequente, correspondendo a 2% de todas as mutações de EGFR (3). Mutações no gene KRAS são encontradas também em um terço dos tumores de pulmão metastáticos, e são mais frequentes em pacientes caucasianos (20 a 50% de incidência). Ao contrário das alterações de EGFR, que são mais frequentes em pacientes não tabagistas, alterações de KRAS estão fortemente associadas ao uso de tabaco. Estudos apontam que alterações genômicas no gene KRAS são aparentemente mutuamente exclusivas às mutações de EGFR, ou seja, possivelmente essas duas mutações apresentam papel semelhante na tumorigênese. Apesar de dados sobre o papel prognóstico ou preditivo das mutações de KRAS ainda não ser claro, é possível que a presença dessas alterações esteja associada a pior prognóstico e resistência ao tratamento. Embora sejam relevantes para decisões terapêuticas, alterações dos genes HER2, BRAF, ALK, RET, ROS1, NTRK e MET são infrequentes, ocorrendo no máximo em 5% dos tumores de pulmão (4). 

O conhecimento cada vez mais extenso no campo da medicina de precisão, com a identificação de alterações moleculares citadas acima e de muitas outras a serem estudadas, é capaz de direcionar o tratamento das neoplasias de pulmão, indicando o uso de terapias guiadas para as alterações genéticas específicas. As drogas alvo mais frequentemente utilizadas no tratamento personalizado são as pequenas moléculas (inibidores de tirosina-quinase) ou anticorpos monoclonais, e ambos agem inibindo a ativação das vias proliferação celular. No caso dos pacientes com tumores de pulmão com mutações de EGFR, três gerações de inibidores de tirosina-quinase foram desenvolvidas. Inibidores de primeira geração produziam, em média, 6 a 12 meses de benefício clínico até que se estabelecesse resistência ao tratamento. Quando ocorre, o mecanismo de resistência mais comum nesses casos é uma mutação secundária no gene EGFR conhecida como T790M. Inibidores mais atuais, de terceira geração, foram desenvolvidos para superar esse mecanismo, e ofereceram aos pacientes um benefício adicional de mais 6 a 12 meses. Como a ação dessas drogas-alvo se dá em alterações muito específicas das células, seria esperado que os efeitos adversos dessas terapias fossem menos frequentes do que com tratamentos sistêmicos como quimioterapia, que age em todas as células do organismo independente da presença de alterações genômicas, sendo esse um benefício adicional do tratamento direcionado. Porém, algumas moléculas não exibem uma alta correspondência com os alvos terapêuticos, estreitando a janela terapêutica de uma dose segura da medicação a ser oferecida para esses pacientes (5,6).  

Uma limitação importante do uso de terapias-alvo é o desenvolvimento de mecanismos de resistência. Uma maneira de superá-los, além da identificação precoce das mutações preditoras, seria uma estratégia de uso combinado desses tratamentos específicos com outras terapias como imunoterapia ou quimioterapia. Esse sinergismo poderia inclusive combinar o benefício das respostas profundas geradas pelo uso de moléculas alvo com uma resposta mais duradoura, característica do uso de tratamentos imunoterápicos. Dessa forma, o cenário atual é de um esforço contínuo para identificar pacientes que possam se beneficiar desses tratamentos mutação-específicos, bem como diagnosticar precocemente a presença de mecanismos gnômicos de resistência ao tratamento. Nos próximos anos, é esperado que haja avanços ainda mais expressivos com o uso de tratamentos personalizados (5,6). 

Referências: 

  1. PERSONALIZED MEDICINE AT FDA The Scope & Significance of Progress in 2020 disponível em www.PersonalizedMedicineCoalition.org  
  2. Elkrief, A., et al. “Therapeutic landscape of metastatic non-small-cell lung cancer in Canada in 2020.” Current Oncology27.1 (2020): 52-60. 
  3. Harrison, Peter T., Simon Vyse, and Paul H. Huang. “Rare epidermal growth factor receptor (EGFR) mutations in non-small cell lung cancer.” Seminars in cancer biology. Vol. 61. Academic Press, 2020. 
  4. Karachaliou, Niki, et al. “KRAS mutations in lung cancer.” Clinical lung cancer 14.3 (2013): 205-214. 
  5. Seebacher, N.A., Stacy, A.E., Porter, G.M. et al. Clinical development of targeted and immune based anti-cancer therapies. J Exp Clin Cancer Res 38, 156 (2019). https://doi.org/10.1186/s13046-019-1094-2 
  6. Nature Portfolio – Targeting mutations that drive lung cancer disponível em https://www.nature.com/articles/d42473-020-00479-0 

Para saber mais sobre câncer de pulmão acesse: https://canceregfr.com

 

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