ESMO GI 2020: Highlights em câncer de pâncreas, vias biliares e tumores neuroendócrinos - Oncologia Brasil

ESMO GI 2020: Highlights em câncer de pâncreas, vias biliares e tumores neuroendócrinos

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Dra. Rachel Riechelmann, diretora da Oncologia Clínica do A.C.Camargo Cancer Center e presidente do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais (GTG) destacou os trabalhos mais importantes em câncer de pâncreas, vias biliares e tumores neuroendócrinos, apresentados na ESMO GI 2020.


Câncer de Pâncreas: NALIRIFOX em primeira linha no câncer de pâncreas

O irinotecano mais 5-fluorouracil (5-FU), leucovorin e oxaliplatina (FOLFIRINOX) tem sido um tratamento de primeira linha para pacientes com adenocarcinoma ductal de pâncreas (PDAC). No entanto, regimes de tratamento mais eficazes e menos tóxicos estão em investigação.

Estudo de fase 1/2 avaliou o irinotecano lipossomal mais 5-FU/leucovorin mais oxaliplatina (NALIRIFOX) como tratamento em primeira linha para PDAC localmente avançado ou metastático. Dos 32 pacientes, 29 apresentavam doença metastática.

O regime levou a uma SLP mediana de 9,2 meses (IC 95%, 7,69-11,96) e uma SG mediana de 12,6 meses (IC 95%, 8,74-18,69). Além disso, a taxa de resposta geral com NALIRIFOX foi de 34,4% (IC 95%, 18,6% -53,3%).

Em relação à segurança, 68,8% dos pacientes apresentaram eventos adversos de grau 3 ou superior, com as toxicidades mais comuns sendo neutropenia (31,3%), neutropenia febril (12,5%) e hipocalemia (12,5%).

A dosagem de oxaliplatina foi fixada em 60 mg/m², que é menor do que a dose padrão de 85 mg/m². Isso significa que durante um período de 6 meses, os pacientes recebem cerca de 25% menos de oxaliplatina, podendo reduzir a incidência de neuropatia periférica.

O irinotecano lipossomal em combinação com o 5-FU foi aprovado nos EUA há alguns anos como tratamento de segunda linha para o câncer de pâncreas metastático e é frequentemente usado em pacientes que progrediram após gencitabina na primeira linha. Recentemente, NALIRIFOX foi aprovado pelo FDA americano em primeira linha para tratamento do câncer de pâncreas metastático.

Câncer de Vias Biliares: Estudo GB-SELECT

O estudo indiano de fase II, multicêntrico, discutiu a eficácia da capecitabina mais irinotecano (CAPIRI) versus irinotecano (IRI) em monoterapia em segunda linha de tratamento no câncer avançado de vesícula biliar. Esse estudo prospectivo de superioridade e randomizado foi concluído em janeiro de 2020 e os dados refletem um acompanhamento médio de 6 meses. Atualmente, o padrão de tratamento em segunda linha aos pacientes que apresentam tumores de vias biliares é a combinação de fluorouracil, leucovorin e oxaliplatina (FOLFOX), aos moldes do estudo ABC06.

Dentre os critérios de inclusão, os pacientes tinham que ter entre 18 e 70 anos de idade, diagnóstico de câncer de vesícula biliar e terapia à base de gencitabina em primeira linha. Os pacientes foram randomizados 1:1 para 1700 mg/m² de capecitabina entre os dias 1 a 14, mais 200 mg/m² de irinotecano a cada 3 semanas (n = 49) versus 240 mg/m² de irinotecano a cada 3 semanas (n = 49). Os pacientes receberam acompanhamento a cada 3 semanas durante a quimioterapia e após a progressão por critério médico. Com um alfa de 10%, poder de 80% e duração de 1 ano, o estudo exigiu um total de 89 pacientes. Os pesquisadores registraram um total de 98 pacientes.

As características dos pacientes foram bem equilibradas entre os braços. Numericamente mais homens foram randomizados para CAPIRI (47% vs 31%) e mais mulheres foram randomizadas para IRI (69% vs 53%). No entanto, isso não foi estatisticamente significativo. Em ambos os braços, os pacientes tinham uma idade média de 51 anos e a maioria tinha um status de desempenho de ECOG de 1 (92%).

Um total de 37% dos pacientes no braço CAPIRI e 41% dos pacientes no braço IRI tiveram colecistectomia prévia. Além disso, 61% e 65% dos pacientes tiveram aumento do CA 19,9 acima do limite superior da normalidade, respectivamente. Aproximadamente metade dos pacientes apresentava pelo menos 1 sítio de doença metastática e 45% eram sensíveis à platina.

Os pacientes receberam uma mediana de 3 ciclos de CAPIRI versus 4 ciclos de IRI e 12 continuaram o tratamento em ambos os braços. A taxa de benefício clínico foi de 41% e 47%, respectivamente.

O desfecho primário do estudo foi a sobrevida global (SG) aos 6 meses, não atingida pelo braço CAPIRI em comparação à IRI. A SG mediana foi semelhante em ambos os braços, sendo 5,16 meses (IC 95%, 4,26-6,06) e 6,28 meses (IC 95%, 4,25-8,3) para CAPIRI vs IRI, respectivamente. A taxa de sobrevida livre de progressão (SLP) em 6 meses foi de 20,4% no braço CAPIRI contra 16,5% no braço irinotecano (P = 0,56) e a SLP mediana foi de 2,27 meses (IC 95%, 1,37-3,17) e 3,12 meses (IC 95%, 1,04-5,2), respectivamente.

Mais pacientes alcançaram doença estável com IRI versus CAPIRI (47% vs 35%). No entanto, uma porcentagem maior de pacientes em CAPIRI alcançou resposta completa e resposta parcial (4% e 2%, respectivamente) contra 0% para IRI. Houve pouca diferença na qualidade de vida (QV) entre os dois braços. Modificações de dose foram feitas para 27% dos pacientes que receberam CAPIRI versus 9% dos pacientes que receberam IRI (P = 0,016).

Em termos de segurança, os eventos adversos (EAs) hematológicos de grau 3/4 nos braços CAPIRI e irinotecano, respectivamente, incluíram neutropenia (2% vs 8%), trombocitopenia (4% vs 4%), neutropenia febril (4% vs 0%), e anemia (4% vs 4%). Os EAs de grau 3/4 GI consistiram em diarréia (16% vs 10%), constipação (8% vs 4%), náusea e vômito (4% vs 8%), fadiga (20% vs 14%) e hiponatremia (4% vs 6%), respectivamente.

A análise da qualidade de vida (QV) não mostrou diferença nos escores da Avaliação Funcional da Terapia para Câncer – Câncer Hepatobiliar (FACT-HEP) aos 2 meses (P = 0,38). O valor médio estimado da alteração nos escores do FACT-HEP em 2 meses foi de 19.441 (erro padrão [SE] = 5.717) no braço CAPIRI versus 12.649 (SE = 4.810) no braço isolado com irinotecano.

Os autores concluem que irinotecano é tão eficaz quanto CAPIRI nesta linha de tratamento, mas é importante ressaltar que o estudo não foi desenhado como não inferioridade e sim superioridade, não sendo possível afirmar que IRI em monoterapia apresentaria tal benefício.

Fusões NTRK: entrectinibe em câncer gastrointestinal com fusões em NTRK

O entrectinibe é um agente bem tolerado que demonstrou eficácia em vários tipos de tumores, incluindo cânceres gastrointestinais (GI) com rearranjo de NTRK. O entrectinibe é um inibidor de tirosina quinase (TKI) de NTRK1/2/3, ROS1 e ALK, possuindo também atividade no sistema nervoso central (SNC). Esses rearranjos são bastante incomuns em malignidades gastrointestinais.

A análise atualizada dos resultados incluiu mais de 500 pacientes com tumores sólidos localmente avançados ou metastáticos com fusão NTRK. Alguns dos tipos de tumor incluem câncer de mama, colangiocarcinoma, câncer colorretal, câncer ginecológico, câncer de pulmão não-pequenas células (CPNPC), câncer de pâncreas e câncer de tireoide.

Os resultados atualizados continuaram demonstrando taxas de resposta e de duração da resposta (DDR) encorajadoras, bem como um perfil de segurança tolerável com entrectinibe nessa população de pacientes.

Os dados foram extraídos dos estudos iniciais de fase 1 do entrectinibe, ALKA-372-001 e STARTRK-1, que incluíram pacientes com todos os tumores sólidos com rearranjos em NTRK, ROS1 ou ALK. O STARTRK-2, de fase 2, também foi um estudo multicêntrico global, basket trial, que incluiu todos os tumores sólidos com rearranjos em NTRK. Ele selecionou em um braço do basket trial somente pacientes com CPNPC com rearranjos ROS1 e ALK e, em seguida, um outro basket trial separado para pacientes com fusão positiva para NTRK.

A análise apresentada no evento incluiu um total de 74 pacientes positivos para a fusão NTRK e que também apresentam neoplasias gastrointestinais, sendo 11 deles retirados do estudo STARTRK-2 de fase 2 e 3 dos estudos de escalonamento de dose de fase 1. Também foi realizada uma análise de segurança em pacientes de todos os tipos de histologias e rearranjos moleculares, incluindo 16 pacientes com neoplasias gastrointestinais.

O desfecho primário foi taxa de resposta geral (TRG) e DDR. A TRG foi de 50% e a DDR mediana foi de 12,9 meses. Os efeitos adversos (EAs) foram tontura e alteração do paladar. A grande maioria dos EAs era de grau 1/2 e foi resolvida ou melhorada com redução da dose ou interrupções breves do medicamento. No geral, a toxicidade foi muito leve.

Os autores concluem que mais testes moleculares devem ser realizados. A maioria dos pacientes com neoplasias gastrointestinais possui algumas linhas de tratamento aprovadas pelo FDA e eventualmente pela ANVISA.

Tumores Neuroendócrinos: adultos jovens apresentam alta taxa de variantes germinativas patogênicas ou prováveis patogênicas nos genes predisponentes ao câncer (GPC)

Embora a triagem genética de genes que predispõem ao câncer esteja atualmente bem estabelecida para os tumores hereditários mais comuns, pouco se sabe quanto ao seu papel em tumores neuroendócrinos (NETs). O estudo buscou definir a frequência de variantes da linhagem germinativa patogênicas (PV) e provavelmente patogênicas (LPV) em GPC conhecidos em adultos jovens com NET, assim como descrever e comparar as características de pacientes com e sem variantes da linhagem germinativa de PV ou LPV.

Foram examinados prospectivamente pacientes com NET pulmonar ou gastroenteropancreático diagnosticados com menos de 40 anos, sem histórico conhecido de síndromes hereditárias de câncer para variantes da linhagem germinativa em um painel de 113 GPC de alta a moderada penetração, sequenciados por NGS (Next Generation Sequencing).

Foram incluídos 66 pacientes de julho de 2018 a outubro de 2019. Os NETs mais comuns foram pâncreas (26 pacientes) e intestino médio (18 pacientes). 14 pacientes (21,2%) apresentaram PV/LPV em heterozigosidade:
• 3 MUTYH (pâncreas, intestino médio e estômago)
• 2 XPC (pâncreas e rim)
• 1 ERCC2 (intestino médio)
• 1 FH (reto)
• 1 POLE (cólon)
• 1 SLX4 (pâncreas)
• 1 MEN1 (pâncreas)
• 1 CHEK2 (intestino delgado)
• 1 SDHB (primário desconhecido)
• 1 ERCC3 (estômago)
• 1 ERCC3 + MUTYH (apêndice)

Em pacientes com e sem P/PPV, respectivamente, 50% e 63% eram do sexo feminino, a idade mediana de surgimento da neoplasia era de 33,4 e 35 anos e história familiar positiva de câncer foi de 70% e 68%. A maioria dos jovens adultos com NET tem histórico familiar de câncer (70%), sendo que aproximadamente 20% apresentam uma linhagem germinativa de PV/LPV, com a maioria desses genes envolvidos nos mecanismos de reparo do DNA. O pâncreas foi o órgão mais comumente acometido.

Tumores Neuroendócrinos: dados do perfil molecular de neoplasias neuroendócrinas gastroenteropancreáticas de alto grau (NET G3)

Foram analisados retrospectivamente dados de todos os pacientes com NET G3 diagnosticados e tratados de 2000 a 2019 no A.C.Camargo Cancer Center. Os tecidos tumorais disponíveis foram revisados e reclassificados de acordo com a classificação de 2019 da OMS. As amostras foram analisadas por NGS (Next Generation Sequencing), avaliando perfis de mutações, carga de mutação tumoral (TMB) e presença de instabilidade de microssatélites (MSI). O desfecho primário foi sobrevida global (SG) desde o início do tratamento.

Ao todo, 77 pacientes foram incluídos. A mediana da idade ao diagnóstico foi de 56 (26-91) anos e 62% eram do sexo masculino. Os tumores primários mais comuns foram gástricos (27%), pancreático (23%) e desconhecido (23%). A doença metastática estava presente em 69% ao diagnóstico e 91% desenvolveram metástase.

Dos 77, 43 (56%) tiveram revisão de patologia: 29 casos eram carcinoma neuroendócrino (NEC – 67%) e 14 foram reclassificados como NET G3 (33%), com uma mudança no diagnóstico de 23%.

Em um acompanhamento médio de 44 meses, a SG mediana para o NET G3 gastrointestinal não pancreático, pancreático e NEC foram de 23,7, 55,6 e 10,8 meses, respectivamente (NET G3 gastrointestinal não pancreático vs NEC, p = 0,01). A SG mediana para NET G3 com ki67 > 55%, NEC < 55% e NEC > 55% foi de 19, 25 e 8 meses, respectivamente. Na análise multivariada por regressão de Cox, apenas a diferenciação celular se manteve como risco de morte (HR 3,14; NEC vs NET G3; P = 0,025).

O NGS foi realizado em 42% dos casos: 21 NEC e 11 NET G3. A mediana de TMB foi de 5,67 (0 – 66,82) mutações por megabase entre os NEC e 4,52 (0 – 8,83) entre os NET G3. Três (14,3%) NEC apresentaram instabilidade de microssatélites, mas zero dentre os pacientes com NET G3. As mutações mais comuns nos NET G3 foram TP53 (N = 3; 27,3%), CDKN2A (N = 3; 27,3%) e KRAS (2/11, 18,2%). Dentre os NEC, as mais comumente encontradas foram TP53 (N = 15; 71,4%), Rb1 (N = 7; 33,3%), PTEN (N = 6; 28,6%) e APC (N = 4; 19%).

Os autores concluem que o NET G3 gastrointestinal não pancreático está associado a uma melhor sobrevida em comparação ao NEC. Parte dos NET G3 podem ser tratados como NET G2, por isso é fundamental uma revisão patológica dedicada do tecido tumoral. Enquanto o NET G3 geralmente abriga baixo TMB e menos mutações alvo, 14% dos casos de NEC apresentavam instabilidade microssatélites, podendo se beneficiar de inibidores de correceptores imunes.

Referências:
Wainberg Z, Bekaii-Saab T, Boland PM, et al. First-line liposomal irinotecan + 5-fluorouracil/leucovorin + oxaliplatin in patients with pancreatic ductal adenocarcinoma: long-term follow-up results from a phase 1/2 study. Presented at: 2020 ESMO World Congress on Gastrointestinal Cancer; July 1-4, 2020; Virtual. Abstract LBA-001.

Ramaswamy A, et al. A randomized phase II multicentric study of capecitabine-irinotecan (doublet) versus irinotecan (monotherapy) in advanced gall bladder cancers progressing on first-line chemotherapy (GB-SELECT). Presented at: 2020 ESMO World Congress on Gastrointestinal Cancer 2020; July 1-4, 2020; Virtual. Abstract LBA-2.

Patel, M et al. Efficacy and safety of entrectinib in NTRK fusion-positive gastrointestinal cancers: updated integrated analysis of three clinical trials (STARTRK-2, STARTRK-1 and ALKA-372-001). Presented at: 2020 ESMO World Congress on Gastrointestinal Cancer 2020; July 1-4, 2020; Virtual. Oral 3

Riechelmann, R et al. Young adults with neuroendocrine tumors present a high rate of pathogenic or likely pathogenic germline variants in cancer-predisposing genes. Presented at: 2020 ESMO World Congress on Gastrointestinal Cancer 2020; July 1-4, 2020; Virtual. O-14

Taboada, R et al. Clinical, pathological and molecular profiles of G3 neuroendocrine tumors and neuroendocrine carcinomas. Presented at: 2020 ESMO World Congress on Gastrointestinal Cancer 2020; July 1-4, 2020; Virtual. PD-12