Novas dimensões dos Hallmarks do Câncer - Oncologia Brasil

Novas dimensões dos Hallmarks do Câncer

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Os hallmarks do câncer são uma ferramenta de compreensão da complexidade dos fenótipos e genótipos do câncer. À medida que o conhecimento dos mecanismos do câncer progrediu, outras facetas da doença surgiram como potenciais refinamentos, os quais são apresentados neste trabalho publicado recentemente.

No ano 2000, Hanahan e Weinberg propuseram, pela primeira vez, seis características principais, que seriam um conjunto de capacidades funcionais adquiridas pelas células humanas à medida que sofrem um processo de transformação neoplásica. Mais especificamente, são capacidades cruciais para a formação de tumores malignos. Mais tarde, em 2011, outras quatro características foram adicionadas. Duas delas foram consideradas como “características emergentes” (reprogramação do metabolismo celular e evasão do sistema imune); entretanto, hoje já é evidente que estas características, assim como as seis originais, podem ser consideradas marcas principais do câncer. As outras duas características (instabilidade genômica e promoção de inflamação pelo tumor) foram retratadas como características habilitantes. Essas são consequências da condição aberrante da neoplasia que fornecem meios pelos quais células cancerígenas e tumores podem adotar as capacidades funcionais, ou seja, refletem nos mecanismos moleculares e celulares pelos quais as características funcionais são adquiridas (Figura 1, esquerda).

Dentro deste contexto, uma pergunta levou o autor a atualizar o conceito dos Hallmarks do câncer: “existem recursos adicionais deste modelo conceitual que podem ser incorporados, respeitando a necessidade de garantir que eles sejam amplamente aplicáveis em todo o espectro de cânceres humanos?”. Desta maneira, o autor propõe, neste trabalho, novas características funcionais e habilitantes que podem, ao longo do tempo, ser incorporadas como componentes centrais dos hallmarks do câncer. Essas características são “desbloqueio da plasticidade fenotípica”, “reprogramação epigenética não mutacional”, “microbiomas polimórficos” e “senescência celular” (Figura 1, direita).

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 1. Esquerda, os hallmarks do câncer atualmente são oito capacidades funcionais e duas características de habilitantes. Direita, este trabalho propõe outras características emergentes e características de habilitantes.

Desbloqueio da plasticidade fenotípica

Durante o processo de organogênese, as células sofrem uma diferenciação terminal, e são organizadas em tecidos e assumem funções homeostáticas. Desta maneira, as células atingem um resultado de diferenciação celular, que, na maioria dos casos, é antiproliferativo e constitui uma barreira à proliferação contínua que é necessária para a neoplasia. Há evidências crescentes de que desbloquear a capacidade normalmente restrita de plasticidade fenotípica para evadir ou escapar do estado de diferenciação terminal, é um componente crítico da patogênese do câncer. Este desbloqueio pode ser feito de algumas maneiras, como desdiferenciação de estados maduros para estados progenitores, diferenciação bloqueada (terminal) – a partir de células progenitoras, e transdiferenciação em diferentes linhagens celulares.

Reprogramação epigenética não mutacional

Com o advento dos estudos sobre genômica e câncer, e avanço da identificação de mutações em todo o genoma de células cancerígenas humanas, observou-se que mutações em genes que organizam, modulam e mantêm a arquitetura da cromatina e, assim, regulam globalmente a expressão gênica, são cada vez mais detectadas e funcionalmente associadas às características do câncer. A reprogramação epigenética não mutacional reflete mudanças na expressão gênica que são puramente reguladas por fatores epigenéticos. Existem evidências científicas de que modificações epigenéticas contribuem para modulação do tumor pelo microambiente tumoral, da heterogeneidade tumoral, e regulação de células estromais do microambiente tumoral. Em suma, a reprogramação epigenética não mutacional é postulada como uma característica habilitante que serve para facilitar a aquisição de capacidades funcionais.

Microbiomas polimórficos

Muitos trabalhos tentam desvendar se microbiota residente em diferentes tecidos ou em neoplasias, têm a capacidade de contribuir ou interferir na aquisição de outras capacidades funcionais, além da imunomodulação e mutação do genoma. Nos últimos anos, estudos funcionais estabeleceram que existem microbiomas protetores e promotores de tumores, envolvendo espécies bacterianas específicas. Os mecanismos pelos quais a microbiota confere esses papéis moduladores ainda estão sendo elucidados, mas dois efeitos gerais podem ser destacados. O primeiro efeito é a mutagênese do epitélio do cólon, devido à produção de toxinas bacterianas e outras moléculas que danificam o DNA e seu processo de replicação direta ou indiretamente. Além disso, bactérias têm a capacidade de produzir moléculas que mimetizam sinais extracelulares proliferativos, e sinais que direcionam a senescência celular, favorecendo a tumorigênese das células epiteliais do cólon. Para além do cólon, os microbiomas podem gerar um amplo efeito envolvendo a modulação do sistema imune adaptativo e inato através de múltiplas vias, incluindo a produção de fatores “imunomoduladores” por bactérias.

Senescência celular

A senescência celular é uma forma tipicamente irreversível de parada proliferativa da célula, que provavelmente evoluiu como um mecanismo protetor para manter a homeostase do tecido. A senescência celular tem sido vista há muito tempo como um mecanismo de proteção contra a neoplasia, no entanto, evidências crescentes revelam que, em certos contextos, as células senescentes estimulam o desenvolvimento de tumores e a progressão maligna. Acredita-se que o principal mecanismo pelo qual as células senescentes promovem fenótipos tumorais seja o fenótipo secretório associado a senescência (SASP), que é capaz de transmitir, de forma parácrina, para células cancerígenas viáveis nas proximidades, bem como para outras células no microambiente tumoral, moléculas sinalizadoras que podem modular outras características funcionais do câncer.

As considerações apresentadas neste trabalho sugerem que pode haver novas facetas de alguma generalidade e, portanto, de relevância para a compreensão mais completa dos mecanismos e manifestações do câncer, e que assim, esse conhecimento seja aplicado a descoberta de novas terapias para a doença.

 

Referências:

  1. Hanahan D, Weinberg RA. The hallmarks of cancer. Cell 2000;100:57–70.
  2. Hanahan D, Weinberg RA. Hallmarks of cancer: the next generation. Cell 2011;144:646–74.
  3. Hanahan D. Hallmarks of Cancer: New Dimensions. Cancer Discov. 2022 Jan;12(1):31-46.