Um artigo de metanálise publicado no princípio deste ano no periódico Oncoimmunology explorou a literatura médica em busca de padrões de eficácia e perfil de segurança de combinações de antineoplásicos não citotóxicos.
Embora combinações terapêuticas para o combate de diversos tipos de câncer não sejam uma novidade na oncologia, a crescente expansão de terapias-alvo, produtos imunoterápicos e outras estratégias não citotóxicas como o uso de anticorpos monoclonais trouxe a possibilidade de testar combinações que não envolvam a quimioterapia.
A Oncologia Brasil entrevistou dois dos autores do estudo, o Dr. Denis Jardim, oncologista clínico do Hospital Sírio Libanês e a Dra. Débora Gagliato, oncologista clínica da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Mudança de paradigma
“Basicamente, o que motivou esse trabalho foi a existência de uma espécie de dogma na oncologia, que surgiu através do uso e estudo de medicações citotóxicas: a ideia de que, ao se fazer poliquimioterapias, existe mais chance de ter respostas — achado frequente prática — mas, no entanto, isso agregaria mais toxicidade aos pacientes”, explica o Dr. Jardim.
“Mas o paradigma de tratamento vem se alterando muito hoje em dia. Tanto o que já temos na prática quanto o que está em desenvolvimento tem se baseado cada vez menos em terapias citotóxicas, e a ideia de investigar como esse paradigma se aplica a esses novos tipos de terapias antineoplásicas foi o que motivou esse trabalho”, completa o oncologista.
Para entender o efeito da adição de novas terapias não-citotóxicas a um protocolo de tratamento, os pesquisadores agregaram em uma base de dados os resultados de estudos clínicos randomizados que comparavam terapias de diferentes classes — como imunoterápicos e terapias-alvo moleculares — em monoterapia vs. combinadas a alguma outra terapia não-citotóxica.
Novos resultados
Partindo de uma busca inicial que retornou mais de 2 mil artigos, o grupo selecionou para a análise 95 trabalhos, após a exclusão daqueles em que a quimioterapia era parte do tratamento, os que aceitavam pacientes pediátricos e os que avaliavam as drogas no contexto de terapia de suporte ou adjuvante.
“O estudo apresenta achados importantes, uma vez que corrobora a validade e o benefício que essa estratégia vem acarretando para pacientes com neoplasias sólidas, e enfatiza o potencial das combinações de terapias,” comenta a Dra. Gagliato.
De fato, a partir dos dados dos 95 ensaios, dos quais aproximadamente 60% eram estudos de fase II e os outros 40% de fase III, os pesquisadores conseguiram analisar os efeitos da combinação vs. monoterapia em taxas de resposta, sobrevida livre de progressão, sobrevida global e toxicidade, através do uso de testes uni e multivariados.
De forma geral, as combinações tiveram efeitos benéficos estatisticamente significativos em termos de taxa de resposta, sobrevida livre de progressão e sobrevida global. “Ocorre um aumento da taxa de resposta, da ordem de 70%, além de uma redução de 25% do risco de progressão, e um ganho em sobrevida global, que é um pouco menor porque muitos dos estudos tiveram muito cross-over, o que mascara um pouco o efeito”, comenta o Dr. Jardim.
Sobrevida global
Em termos de sobrevida global, o benefício da combinação foi evidente de forma mais pronunciada quando a droga utilizada nos dois braços do tratamento (monoterapia e combinação) era um imunoterápico ou um anticorpo monoclonal.
Levando em conta que os estudos que começaram a testar o efeito de combinações com imunoterápicos serem recentes, este ganho oferece uma janela importante para futuras pesquisas neste campo, segundo ambos os autores. Mas outra métrica importante, ao se comparar tratamentos, é o potencial de surgimento de toxicidades imprevistas.
“Sempre que você acrescenta um medicamento, mesmo que não seja uma droga citotóxica, os efeitos colaterais nem sempre seguem aquela matemática em que um mais um é igual a dois”, explica a Dra. Gagliato. “Com as duas drogas, você pode ter uma amplificação grande desses efeitos colaterais. Nesse trabalho, também exploramos o sinergismo das combinações em relação a toxicidades e mortalidade relacionada ao tratamento”, complementa.
A adição de um segundo agente aumentou o risco de ocorrência de toxicidades de alto grau, com uma odds-ratio de 2,42 (IC95% = 1,98–2,97; p < 0,001). Esse aumento no risco foi mais pronunciado para terapias-alvo baseadas em pequenas moléculas, para imunoterapia acrescentada como agente adicional. Ele foi menos pronunciado, embora ainda significativo estatisticamente, para anticorpos monoclonais alvo.
Toxicidade
Em geral, porém, a magnitude da toxicidade não é o bastante para superar os ganhos em termos de taxa de resposta, sobrevida livre de progressão e sobrevida global associados às combinações. E, colocadas em perspectiva, essas combinações têm uma segurança relativamente alta.
“Por exemplo, eu me foquei mais na parte de mama, que é a minha especialidade”, afirma a Dra. Gagliato. “Muitos dos artigos avaliaram a combinação de inibidor de ciclina com hormonioterapia. As ciclinas atuam no ciclo celular, impedindo a passagem de ciclo durante a divisão das células.
Na prática, a gente nota que as pacientes têm um ganho substancial em taxa de resposta, da ordem de 60 a 70% em primeira linha, com maior tempo sem progressão, mantendo-se na mesma linha de tratamento por mais de dois anos, e com uma sobrevida mais longa.
Mesmo esse tratamento trazendo uma toxicidade considerável, temos que pensar que, antigamente, essas pacientes entravam em quimioterapia muito precocemente. Hoje elas estão sendo poupadas disso com essas combinações. A toxicidade é muito menor”, pondera a oncologista.
Mas, para além da compilação de dados de estudos passados, o artigo de metanálise tem um impacto importante para estudos futuros. “Esse é um dos principais pontos. Este artigo serve como um guia geral sobre áreas em que cabe mais essa estratégia de combinação e serve também como o que se chama de um benchmark.
Para o desenvolvimento de novas combinações, a comparação com estes parâmetros de atividade e toxicidade de nosso estudo pode servir como um referencial do que se espera encontrar de maneira geral, auxiliando, dessa forma, na categorização do êxito ou não do tratamento em desenvolvimento” conclui o Dr. Jardim.
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