Durante o 27° Congresso da Associação Europeia de Hematologia, o EHA 2022, foi apresentado um estudo que avaliou o uso da razão de cadeias leves livres no soro ≥ 100 como biomarcador de progressão em pacientes com mieloma múltiplo indolente (smoldering)
O mieloma múltiplo (MM) é uma doença proliferativa clonal dos plasmócitos que é precedido por um estágio pré-maligno assintomático, sendo o mieloma múltiplo indolente (MMS) um desses precursores. A partir de 2014, houve uma revisão da definição de mieloma múltiplo que incorporou três novos critérios para iniciar a terapia em pacientes com MM, além dos critérios CRAB estabelecidos. A partir de então, a razão de cadeias leves livres (CLL) no soro ≥100 passou a ser um biomarcador definidor de mieloma, com base em dados retrospectivos que indicam uma taxa de progressão de 80% em dois anos e um tempo de progressão médio (TPM) de 12 meses associada a este marcador. Devido a essa atualização, pacientes previamente diagnosticados com MMS foram considerados como portadores de MM com necessidade de tratamento se tivessem a taxa de CLL ≥100.
Entretanto, dois estudos recentes relataram taxas de progressão de MMS para MM mais baixas, cerca de 30-44% em dois anos, e um TPM mais longo de 40 meses em pacientes com MMS e a razão de CLL ≥100. Esses novos dados levantam preocupações sobre os critérios de CCL como um biomarcador de MM. Mediante essa problemática, o estudo apresentado tinha como objetivo avaliar o risco de progressão para MM em pacientes portadores de MMS e razão de CLL ≥100.
O estudo realizou uma análise retrospectiva de pacientes diagnosticados com MMS no Memorial Sloan Kettering Cancer Center entre janeiro de 2000 e dezembro de 2017. O diagnóstico de MMS e a progressão para MM ativo com necessidade de terapia foram definidos de acordo com os critérios do IMWG na época de diagnóstico. O método de Kaplan-Meier foi utilizado para avaliar a TPM e gerar curvas de sobrevida, com teste de log-rank para comparação entre os grupos.
Um total de 438 pacientes foram incluídos no estudo, com tempo mediano de seguimento de 52 meses. Enquanto todos os pacientes com razão CLL ≥100 (n=66) apresentaram níveis elevados de CLL envolvidos, 35 (53%) tiveram uma concentração de CLL envolvida >100 mg/L. De acordo com os critérios diagnósticos atuais, foram incluídos nos resultados apenas pacientes com uma concentração de CLL envolvida >100 mg/L no grupo com uma razão de CLL ≥100.
Foi observado que o TPM do grupo com razão CLL ≥100 foi de 31 meses (IC 95% 16-59 meses) e uma taxa de progressão em dois anos de 49% (IC 95% 28-63%). Em uma análise de sensibilidade, foram incluídos todos os 66 casos com razão CLL ≥100 (independente da concentração de CLL envolvida), e se constatou que o TPM era de 41 meses (IC 95% 30-72 meses), comparado a 101 meses para aqueles com a razão CLL <100 (IC 95% 78-127 meses; p<0,0001). O risco de progressão em 2 anos foi de 35% (IC 95% 22-46%) para o grupo com razão CLL ≥100 comparado a 18% (IC 14-23%; p<0,0001) para aqueles com razão CLL <100.
O trabalho ressaltou que 22 pacientes com MMS e razão CLL ≥100 foram monitorados ativamente por tempo superior a 4 anos. Desse número, 12 pacientes apresentaram níveis de CLL envolvida >100 mg/L. Os outros 10 pacientes (7 com nível de CLL envolvido >100 mg/L) foram acompanhados por um período variando de 4 a 8,5 anos antes de progredir de MMS para MM, e 12 pacientes (5 com nível de CLL envolvido >100 mg/L) foram acompanhados entre 4 e 8 anos e não progrediram durante o período do estudo.
O estudo conclui que embora a razão CLL ≥100 esteja associada a um alto risco de progressão em pacientes com MMS, ela não infere um risco iminente de progressão, definido pelo IMWG como TPM de 12 meses e taxa de progressão de 2 anos de pelo menos 80%. Pelo contrário, pacientes selecionados com razão CLL ≥100 podem ser acompanhados por muitos anos sem progredir e alguns podem nunca progredir apesar do acompanhamento a longo prazo. Esses achados sugerem que, em pacientes cuja a razão CLL ≥100 é o único evento definidor de mieloma, outras características de alto risco, bem como a evolução das CLLs ao longo do tempo, devem ser consideradas na decisão clínica antes de iniciar tratamento em um paciente com MMS.
Referências:
Theresia Akhlaghi et al., Evaluating serum free light chain ratio as a biomarker for multiple myeloma. EHA2022 Congress. 2022. Abstract: S177
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