Pacientes com CPNPC avançado, sem mutações elegíveis para terapia alvo, PD-L1<1%, e/ou que apresentam mutações em KRAS/STK11/ KEAP1, representam um subgrupo de pessoas difíceis de tratar, dada resposta limitada que manifestam ao tratamento com inibidor de checkpoint imunológico da via PD-1/PD-L1, com ou sem quimioterapia associada. Portanto, novas estratégias terapêuticas são necessárias para melhorar o prognóstico destes pacientes
O câncer de pulmão, sendo o tipo histológico de não pequenas células (CPNPC) – o mais incidente, é a segunda neoplasia mais comum e a principal causa de morte relacionada ao câncer em todo o mundo. No cenário da doença avançada, a quimioterapia foi, durante muito tempo, o único tratamento disponível e com resultados sub-ótimos. Com o advento da terapia alvo (e.g inibidores de tirosina quinase (TKIs) anti-EGFR e ALK, dentre outros) melhores desfechos foram obtidos em pacientes portadores de mutações/alterações moleculares, e esta tornou-se padrão de primeira linha para pacientes com CPNPC avançado com mutação-driver.
Para pacientes sem alvos moleculares, os inibidores de checkpoint imunológico (ICI) trouxeram melhorias sem precedentes na sobrevida global (SG) e na duração das respostas clínicas dos pacientes. Duas principais classes de ICIs são utilizadas atualmente na prática clínica, os anticorpos monoclonais anti-PD-(LL)1 e os anticorpos monoclonais anti-CTLA4, ambos com eficácia comprovada em diversos estudos clínicos no cenário de primeira linha do CPNPC avançado. Dentre os principais estudos podemos citar KEYNOTE-024/042 e IMpower 110 que avaliaram anti-PD-(L)1 em monoterapia; os estudos KEYNOTE-407/189 e IMpower 130/150 que avaliaram a utilização de imunoterapia em combinação com quimioterapia; por fim, o estudo CheckMate 227 avaliou a combinação dupla de imunoterapia, utilizando um anti-PD-1 combinado com anti-CTLA4, em comparação com quimioterapia.
Dos estudos citados acima que avaliaram a utilização dos inibidores de PD-(L)1 em monoterapia, apenas o estudo clínico KEYNOTE-042 recrutou pacientes com um score baixo de positividade de PD-L1 (tumor proportion score [TPS] >1%). Neste estudo, os pacientes atingiram taxas de SG maiores no grupo tratado com pembrolizumabe em comparação com o grupo tratado com quimioterapia, no entanto, observa-se uma queda relativa do benefício da imunoterapia isolada conforme o escore de PD-L1 era reduzido (população TPS≥50%: HR 0,69; IC 95% 0,56–0,85, p=0,0003; população TPS≥20%: HR 0,77; 0,64–0,92, p=0,0020; e população TPS≥1%: HR 0,81, 0,71–0,93, p=0,0018). Nos estudos que avaliaram a combinação de imunoterapia com quimioterapia, fica também evidente que os pacientes com maiores scores de positividade de PD-L1 são os que derivam melhores respostas. A exemplo, no estudo clínico KEYNOTE-407 (que incluiu apenas pacientes com histologia escamosa do CPNPC), o benefício de sobrevida livre de progressão (SLP) da combinação de pembrolizumabe e quimioterapia foi observado em todos os subgrupos pré-especificados versus quimioterapia isolada, entretanto, melhorias incrementais foram observadas com o aumento da pontuação de proporção tumoral PD-L1 (SLP PD-L1 <1%: HR 0,68; IC 95%, 0,47 a 0,98; PD-L1 entre 1 e 49%: HR 0,56; IC 95%, 0,39 a 0,80; PD-L1 ≥50%: HR 0,37; IC 95%, 0,24 a 0,58). Nota-se ainda que no acompanhamento de 2 anos de sobrevida global, as curvas se aproximam e uma quantidade semelhante de pacientes estão vivos após 2 anos (32,6% com quimioterapia vs. 29,6% com pembrolizumabe + quimioterapia). Já no estudo clínico CheckMate 227, a combinação de anti-PD-1 + anti-CTLA4 levou a níveis de sobrevida global similares no braço de nivolumabe (anti-PD-1) + ipilimumabe (anti-CTLA4), independentemente do nível de expressão de PD-L1 (pacientes com um nível de expressão de PD-L1 ≥1%: HR 0,79; IC 97.72%, 0,65 a 0,96; pacientes com um nível de expressão de PD-L1 <1%: HR 0,62; IC 95%, 0,48 a 0,78).
Os dados acima demonstram que a maioria dos pacientes com CPNPC avançado, principalmente aqueles que possuem nível de expressão de PD-L1 <1%, não atingem respostas clínicas satisfatórias com o tratamento baseado em ICIs, mesmo quando combinada à quimioterapia. Entretanto, a combinação de dois ICIs, a exemplo do que foi feito no estudo CheckMate 227, alcançou um benefício significativo de sobrevida global na população com PD-L1 <1%, mostrando que o duplo bloqueio de inibidores de checkpoint imunológico é uma alternativa para pacientes com CPNPC. Apesar do resultado satisfatório apresentado neste estudo, ainda há ainda uma necessidade médica não atendida neste cenário, principalmente no que tange a marcadores preditivos de resposta à imunoterapia.
Esforços recentes implicaram as mutações KRAS/STK11/KEAP1 como possíveis preditores de resistência à imunoterapia. As mutações do KRAS estão entre as mais prevalentes no CPNPC, representando aproximadamente 25% das mutações em adenocarcinoma de pulmão. Alterações genômicas concomitantes no KRAS e nos genes supressores tumorais STK11/KEAP1 ou TP53 definem um subconjunto único de câncer de pulmão KRAS-mutante (KRASmut) com biologia distinta, vulnerabilidades terapêuticas e perfis imunológicos também únicos.
O gene STK11 regula diversas funções celulares, incluindo metabolismo, crescimento e polaridade celular. A perda de STK11 ocorre em aproximadamente 15% dos adenocarcinomas de pulmão. Já a perda de KEAP1 ocorre em aproximadamente 13-20% dos CPNPC. A inativação de ambos STK11 e KEAP1 está associada a um microambiente imune tumoral inerte ou “frio”, com densidade reduzida de linfócitos T CD4+ e CD8+ citotóxicos infiltrantes. Sendo assim, as alterações genômicas STK11/ KEAP1 podem de certa maneira explicar a falta de benefício clínico do bloqueio de PD-1/PD-L1 em adenocarcinoma de pulmão KRASmut; representando, portanto, um importante fator de escape imune e resistência inata à imunoterapia neste grupo de pacientes.
Devido aos complexos mecanismos de resistência à imunoterapia, ainda não existe uma solução padronizada para este problema e estudos randomizados e prospectivos são necessários neste cenário. Atualmente, a terapia combinada para reverter ou retardar a resistência imune é a medida mais eficaz, incluindo a combinação de diferentes tipos de ICIs (ou seja, inibidor de PD-(L)1 mais inibidor de CTLA4) ou combinação de ICIs com outros tipos de terapia (ou seja, quimioterapia, radioterapia, terapia alvo molecular, terapia anti-angiogênica). Devido aos seus diferentes mecanismos de ação, a combinação de inibidores de PD-(L)1 e CTLA4 pode desempenhar um efeito sinérgico. O efeito sinérgico se dá pela indução da produção de um maior número de células T, feito pelo bloqueio de CTLA4 no estágio inicial da resposta imune (realizado no linfonodo), enquanto o bloqueio da ligação de PD-1 e PD-L1 reduz a inativação e consequente depleção de células T no microambiente tumoral, restaurando a função citotóxica efetora das células T às células tumorais.
Além do envolvimento duplo de vias moleculares convergentes, o envolvimento de biologia celular distinta pelos anti-CTLA4 e anti-PD-(L)1 também pode contribuir para o aumento da eficácia da terapia combinada. De fato, a terapia anti-CTLA4, mas não anti-PD-(L)1/PD-L1, leva à expansão de uma população efetora de células infiltrantes de tumor semelhante a Th1 CD4 ICOS+. Isso sugere que a terapia anti-PD-(L)1 /PD-L1atua principalmente através do direcionamento de populações de células T CD8. Essa diferença significativa nos mecanismos de anti-CTLA4 e anti-PD-(L)1 levanta a possibilidade de que a eficácia aprimorada da terapia combinada seja devido ao envolvimento de várias populações distintas de células tumorais. Além disso, duplo bloqueio de CTLA4 anti-PD-(L)1 /PD-L1está correlacionado a taxas proliferativas aumentadas de células T CD8+ e CD4+ efetoras e sua liberação de citocinas, juntamente com a supressão da atividade de células T reguladoras.
Em suma, diversos mecanismos moleculares atuam em conjunto quando há inibição dupla de duas vias de checkpoint imunológico, e esta estratégia pode ganhar importância significativa para contornar possíveis mecanismos de resistência à imunoterapia. Além disso, sabendo que a quimioterapia provoca efeitos antitumorais através do sistema imunológico, o que pode resultar em aumento da atividade da imunoterapia, a utilização da terapia tripla, consistindo na combinação de anti-PD-(L)1, anti-CTLA-4 e quimioterapia, pode ser vantajosa e pode representar uma área de investigação de futuros estudos clínicos.
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