Estudo de fase I/II avalia dosagem, segurança e eficácia preliminar de inibidor de KRAS em tumores sólidos com mutação KRAS G12C
Mutações no gene KRAS são as mutações iniciadoras mais comuns em cânceres humanos. A mutação G12C promove um ganho de função na proteína, interferindo na sua capacidade de clivagem de guanosina trifosfato (GTP) e mantendo a proteína em seu estado ativo, na qual ela é capaz de ativar, via fosforilação, proteínas que promovem proliferação e sobrevivência celular. Essa mutação está presente em 12-14% dos pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas (CPCNP), 4% dos pacientes com câncer colorretal e até 4% de outros cânceres.
Regimes de tratamento clássicos, como quimioterapias e imunoterapias, resultam em benefícios modestos entre pacientes com essas mutações. Recentemente, o desenvolvimento de inibidores de KRAS como sotorasibe e adagrasibe aumentaram as opções terapêuticas de pacientes com mutação KRAS G12C previamente tratados, entretanto, a magnitude do benefício clínico desses inibidores ainda é limitada, destacando a necessidade de desenvolvimento de opções mais eficazes. O divarasibe (GDC-6036) é um inibidor covalente de KRAS G12C desenvolvido para apresentar alta afinidade e seletividade, ligando-se irreversivelmente ao resíduo de cisteína na proteína e mantendo-a em sua forma inativa. Esse inibidor demonstrou um aumento de 50 vezes na seletividade e de 5 a 20 vezes na potência de inibição quando comparado a outros inibidores.
O estudo publicado recentemente na revista The New England Journal of Medicine, fez o escalonamento da dose para esse medicamento e avaliou sua segurança, farmacocinética e eficácia preliminar, em cânceres sólidos, com mutação G12C em KRAS. Ao todo o estudo recrutou, entre julho de 2020 e outubro de 2022, 137 pacientes com diferentes tumores sólidos metastáticos ou localmente avançados apresentando mutação KRAS G12C para os quais outros tratamentos não eram possíveis por refratariedade ou ausência de outras opções aprovadas. A coorte incluiu 60 pacientes com CPCNP, 55 casos câncer colorretal e 22 pacientes com outros tipos de câncer, como câncer de pâncreas (7), colangiocarcinoma (7), adenocarcinoma duodenal (2), câncer endometrial de células escamosas (1), carcinoma neuroendócrino de grandes células de pulmão (1), adenocarcinoma gástrico (1), adenocarcinoma de apêndice (1), adenocarcinoma anal (1) e câncer de mama (1).
Na primeira fase do estudo foi feito o escalonamento de dose de 50 a 400 mg (doses diárias administradas por via oral em ciclos de 21 dias). Após a verificação de toxicidade dos regimes, não foram identificados efeitos tóxicos dose-dependentes, e a dose de 400 mg foi escolhida, expandindo-se a coorte para esse regime. Os tratamentos foram administrados até o desenvolvimento de efeitos tóxicos não toleráveis, progressão da doença ou abandono do tratamento por outro motivo. A duração mediana de tratamento foi de 6,9 meses (variando de 0 a 24,1) considerando todos os pacientes, de 8,3 meses (variando de 0 a 24,1 meses) entre pacientes com CPCNP e de 5,5 (variando de 0,2 a 15,6) entre pacientes com câncer colorretal. O tratamento foi abandonado por 94 pacientes, mais comumente devido a progressões (78 pacientes); apenas 7 pacientes abandonaram o tratamento devido a eventos adversos.
No geral 136 pacientes (99%) apresentaram eventos adversos (AEs), sendo relacionados ao tratamento (trAEs) em 127 deles (93%). Os trAEs mais comuns foram náusea (74%), diarreia (61%) e vômito (58%). A maioria dos trAEs (94%) foram de grau 1 ou 2, enquanto trAEs de grau 3 ocorreram em 15 pacientes (11%) e incluíram diarreia (em 5 pacientes), elevação de AST e ALT (4 pacientes), náusea, vômito, fadiga, hipopotassemia, aumento de lipase, aumento de fosfatase alcalina, hipofosfatemia e neutropenia (1 paciente cada). trAEs levaram a interrupção de tratamento, redução da dose ou abandono do tratamento em 28 (20%), 19 (14%) e 4 (3%) pacientes, respectivamente. Apenas dois pacientes apresentaram trAEs sérios e não foram registradas mortes devido ao tratamento.
Entre 58 pacientes com CPCNP, considerando todos os regimes de dose, 1 paciente (2%) apresentou resposta completa, 34 pacientes (59%) apresentaram resposta parcial, 17 pacientes (29%) apresentaram doença estável e 4 pacientes (7%) apresentaram doença progressiva. Foi confirmada resposta em 53,4% dos pacientes (IC95%: 39,9 – 66,7), sendo que o tempo mediano para resposta foi de 1,3 meses (variando de 1,2 a 8,3 meses) e a duração mediana da resposta foi de 14 meses (IC95%: 8,3 – NA), enquanto a sobrevida livre de progressão mediana foi 13,1 meses (IC95%: 8,8 – NA). Considerando apenas os 39 pacientes que receberam a dose de 400 mg, 56,4% apresentaram confirmação de resposta e a duração mediana de resposta foi 11,9 meses (IC95%: 6,9 – NA). Nesses pacientes, a sobrevida livre de progressão mediana foi de 13,7 meses (IC95%: 8,1 – NA). As respostas foram consistentes entre subgrupos definidos pelo status de PD-L1 tumoral e ou pela presença de mutações co-ocorrentes (TP53, STK11 e KEAP1).
Já entre 55 pacientes com câncer colorretal, observou-se 1 resposta completa (2%), 19 respostas parciais (35%), 27 doenças estáveis (49%) e 6 doenças progressivas (11%) como melhores respostas. Foi confirmada resposta em 29,1% dos pacientes (IC95%: 17,6 – 42,9), com tempo mediano para resposta de 2,2 meses (variando de 1,2 a 6,8) e duração de resposta mediana de 7,1 meses (IC95%: 5,5 – 7,8). A sobrevida livre de progressão mediana foi de 5,6 meses (IC95%: 4,1 – 8,2). Entre os 39 pacientes desse grupo que receberam a dose de 400 mg, 35,9% apresentaram resposta confirmada (IC95%: 21,2 – 52,8), a duração mediana de resposta foi 7,7 meses (IC95%: 5,7 – NA) e a sobrevida livre de progressão mediana foi 6,9 meses (IC95%: 5,3 – 9,1). Novamente, a resposta foi consistente entre subgrupos definidos por mutações co-ocorrentes (em APC e TP53).
Por fim, entre 22 pacientes com outros tumores sólidos, todos recebendo dose de 400 mg, respostas parciais foram observadas em 8 pacientes (36%; 3 pacientes com câncer de pâncreas, 1 paciente com adenocarcinoma anal, 1 colangiocarcinoma, 1 carcinoma de células escamosas de endométrio, 1 carcinoma de pulmão neuroendócrino de grande células e 1 adenocarcinoma gástrico), 11 pacientes apresentaram doença estável (50%; 4 pacientes com câncer de pâncreas, 4 pacientes com colângiocarcinoma, 1 paciente com adenocarcinoma de apêndice, 1 paciente com câncer de mama e 1 paciente com adenocarcinoma de duodeno) e 1 paciente (5%, colangiocarcinoma) apresentou doença progressiva. 2 pacientes abandonaram o tratamento antes da primeira avaliação.
Foram coletadas amostras para avaliação de DNA tumoral circulante (ctDNA) no dia 1 e no dia 15 do primeiro ciclo e no dia 1 do terceiro ciclo em 70 pacientes (26 com CPCNP, 35 com câncer colorretal e 9 com outros cânceres). Na maioria dos pacientes foi observada uma redução da frequência do alelo variante de KRAS G12C já nos primeiros 15 dias de tratamento, e todos os pacientes com resposta parcial tiveram uma frequência do alelo variante menor que 1% no início do terceiro ciclo.
Uma análise pareada entre o início e final do tratamento foi feita para 29 pacientes que tiveram sobrevida livre de progressão maior que 3 meses (8 pacientes com CPCNP, 16 com câncer colorretal e 5 com outros cânceres) para avaliar possíveis mecanismos de resistência. Em 16 pacientes (3 com CPCNP, 9 com câncer colorretal e 4 com outros cânceres foi possível identificar ao menos um mecanismo genômico de resistência, incluindo amplificação de KRAS, outras mutações em KRAS além da G12C, alterações em receptores tirosina quinase, ou em componentes das vias das proteínas quinases ativadas por mitógenos (MAPKs) e fosfatidil-inositol-3 quinase (PI3K), bem como perda de cópias do gene RB1. Ainda, mutações oncogênicas pré-existentes em KRAS que não a mutação G12C foram identificadas em 6 pacientes que progrediram ou morreram em até 3 meses após início do tratamento; e em 3 desses pacientes demonstrou-se a diminuição do alelo variante de KRAS G12C e aumento do alelo variante da mutação não G12C no decorrer do tratamento.
Dessa forma, os resultados do estudo demonstram que o inibidor divarasibe apresenta bom perfil de tolerância e potencial antineoplásico em pacientes com tumores sólidos com mutação G12C em KRAS e sugerem possíveis mecanismos de resitência a esse tratamento, encorajando o desenvolvimento de ensaios clínicos com maiores números de pacientes para confirmar o potencial terapêutico desse inibidor.
Referência: Sacher et al. Single-Agent Divarasib (GDC-6036) in Solid Tumors with a KRAS G12C Mutation. The New England Journal of Medicine, 2023. Doi: https://doi.org/10. 1056/NEJMoa2303810
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