Câncer de Próstata Metastático Resistente a Castração – um novo panorama - Oncologia Brasil

Câncer de Próstata Metastático Resistente a Castração – um novo panorama

9 min. de leitura

Óren Smaletz – CRM – SP 82631 

Oncologista Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein e do Hospital Samaritano em S. Paulo. 

Membro do Comitê Gestor do Centro de Oncologia e Hematologia do Hospital Israelita Albert Einstein. 

Ex-clinical fellow do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, Nova Iorque. 

 

Introdução 

O tratamento sistêmico do câncer de próstata avançado mudou muito nas últimas décadas, com novas abordagens tanto para a doença hormônio-sensível, como para a doença resistente a castração. Não somente por aprovação de novos medicamentos, mas também pela possibilidade de trazê-los para fases mais precoces da doença, aumentando mais ainda o impacto na sobrevida global dos nossos pacientes.  

Historicamente, o cenário da doença resistente a castração era um cenário sombrio para os pacientes, onde não se acreditava que nenhum medicamento pudesse melhorar a sobrevida global destes [1].  Isto mudou há 20 anos, com os estudos de docetaxel, um quimioterápico que mostrou pela primeira vez ganho de sobrevida global para os pacientes que já haviam falhado ao tratamento hormonal [2, 3]. 

Desde então, vários medicamentos foram testados no cenário resistente a castração, primeiramente no cenário pós falha de docetaxel [4, 5] e depois no cenário pré uso de docetaxel [6, 7], comprovando que estes novos medicamentos proporcionam melhores desfechos.  

Mais adiante, o uso de quimioterapia [8] e dos novos agentes hormonais [9-11] foram gradativamente trazidos para o cenário hormônio-sensível o que proporcionou uma nova necessidade não atendida: como sequenciar o tratamento do paciente com câncer de próstata metastático que entrou no estado clínico de resistente à castração. 

 

Hoje, quando estamos diante de um paciente com doença metastática resistente à castração, há uma larga opção de tratamentos – como 1) quimioterapia com taxano (docetaxel e cabazitaxel [12]); 2) novos agentes hormonais (NAH: abiraterona [4, 7] e enzalutamida [5, 6]); 3) inibidores de PARP (olaparibe) [13, 14]. A Radioterapia paliativa sempre foi uma das armas utilizadas para o tratamento dos pacientes com doença metastática, mas somente na forma de radiofármaco como o Radium-223 foi possível ver que tratamento à base de radiação das metástases (neste caso, metástases ósseas) é uma opção para melhorar a sobrevida global dos pacientes [15]. O último radiofármaco a ser adicionado a esta lista de novos medicamentos é o 177-Lu-PSMA-617.  

 

177Lu-PSMA-617 

PSMA ou antígeno de membrana específico da próstata é uma proteína transmembrana que tem alta expressão em células de câncer de próstata[16]. Sabe-se que alta expressão de PSMA é um biomarcador independente de mal prognóstico no câncer de próstata [17]. A maioria dos pacientes com câncer de próstata metastático tem expressão de PSMA nas suas lesões e pode ser um fator associado a menor sobrevida global [18]. 177-Lu-PSMA-617 é uma pequena molécula ligada a uma partícula radioativa que emite radiação β de penetração média de 0.7 mm, o que permite uma radiação das células malignas com potencial de limitar o dano aos tecidos normais adjacentes. Diferente do Radium-223, o 177-Lu-PSMA-617 se liga à célula metastática em qualquer sítio de metástase que capta no PET-PSMA, e não somente nos ossos.  

 

Estudos Randomizados com 177-Lu-PSMA-617 (Tabela 1) 

O primeiro estudo randomizado que colocou o 177-Lu-PSMA-617 em evidência foi o TheraP [19]. É um estudo randomizado de faze 2 que recrutou 200 pacientes em 11 centros da Austrália. Para poderem participar do estudo TheraP, os pacientes tinham que ter câncer de próstata metastático resistente a castração (CPmRC), previamente tratados com docetaxel, com doença progressiva por aumento de PSA, que eram aptos a receber cabazitaxel. Eles selecionaram somente pacientes após a realização de PET-PSMA e PET-FDG, onde o SUVmax no PET-PSMA tinha que ser pelo menos 20 em uma das lesões e não poderia haver discordância de metástases vistas num PET-FDG positivo, mas negativo no PET-PSMA.  

Os pacientes foram randomizados de maneira não-cega a receber 177-Lu-PSMA-617 a cada 6 semanas por no máximo 6 ciclos ou cabazitaxel a cada 3 semanas por no máximo 10 ciclos. Foram estratificados pelo volume de doença (> 20 ou < 20 lesões) e pelo tratamento prévio ou não com enzalutamida ou abiraterona. O objetivo primário deste estudo randomizado de fase 2 foi a taxa de resposta de PSA, ou seja, a proporção de pacientes que atingiram queda de PSA > 50%. Na sua primeira publicação, com seguimento mediano de mais de 18 meses, viu-se que tratamento com 177-Lu-PSMA-617 tinha uma maior taxa de queda de PSA – 66% vs 37%. Os objetivos secundários mostraram também um perfil de toxicidade mais favorável, onde toxicidades grau 3 ou maior foi vista em 33% dos pacientes que receberam 177-Lu-PSMA-617 vs 53% dos pacientes que receberam cabazitaxel. Houve também uma maior taxa de resposta objetiva nos pacientes com doença mensurável: 49% vs 24%.  A Sobrevida Livre de Progressão (SLP) mediana foi igual nos dois braços por volta de 5 meses e numa publicação recente, com seguimento de 36 meses, a sobrevida global (SG) mediana não foi diferente – cerca de 19 meses, para ambos os braços. 

Com os resultados promissores deste estudo de fase 2, foi lançado um estudo randomizado de fase 3, o estudo VISION [21]. O estudo VISION recrutou 831 pacientes com CPmRC que já haviam sido tratados com 1 a 2 regimes de taxano e pelo menos 1 novo agente hormonal (NAH). Importante salientar que neste estudo, somente o PET-PSMA foi realizado para elegibilidade, e o paciente tinha que ter pelo menos 1 lesão positiva no PET-PSMA, ou seja, a captação na lesão metastática tinha que ser maior que a captação fisiológica do parênquima hepático. Dos 1003 pacientes que realizaram PET-PSMA pré-estudo, somente 123 (12%) foram excluídos do estudo por não apresentarem lesão positivas no PET-PSMA, mostrando como a grande maioria dos pacientes com CPmRC tem expressão de PSMA nas suas metástases. 

O recrutamento se deu em 84 centros na América do Norte e Europa e os pacientes foram randomizados de maneira 2:1 para receber 177-Lu-PSMA-617 a cada 6 semanas por 4 ciclos (com opção de mais 2 ciclos a critério do investigador) concomitante a tratamento padrão permitido pelo estudo vs tratamento padrão permitido pelo estudo. Basicamente, o tratamento padrão permitido pelo estudo foi um NAH, ou corticoide, ou radioterapia e excluía uso de quimioterapia citotóxica, Radium-223 e imunoterapia. Os pacientes foram estratificados pela performance status, nível de DHL (desidrogenase lática), presença ou não de metástase hepática e uso de NAH no tratamento padrão.  

Neste estudo de fase 3, os desfechos primários foram SLP por imagem e SG. Com um seguimento mediano de quase 21 meses, os dados mostraram que o tratamento com 177-Lu-PSMA-617 quando combinado ao tratamento padrão foi superior ao tratamento padrão isolado. A mediana da SLP baseada em imagem foi de 8,7 meses vs 3,4 meses (HR 0,40 [Intervalo de Confiança 99.2% – 0,29 a 0,57; P<0,001] e a SG mediana foi de 15,3 meses vs 11,3 meses (HR 0,62 [Intervalo de Confiança 95% – 0,52 a 0,74; P<0,001].  

Não somente houve superioridade nos desfechos primários, mas houve também uma redução de 50% na chance de um evento esquelético sintomático. Além disso, taxa de resposta objetiva nos pacientes com doença mensurável foi de 51% (com 9% de resposta completa) vs 3% (somente resposta parcial) e com maior proporção de pacientes com queda de PSA > 50% – 46% vs 7%. Por outro lado, o tratamento padrão combinado com 177-Lu-PSMA-617 teve mais chance de efeitos colaterais grau 3 ou maior – 52% vs 38%. O tempo de deterioração clínica seja por questionários de qualidade de vida ou inventário de dor também foram superiores no braço com 177-Lu-PSMA-617.   

Um estudo como o Vision pode sofrer críticas pelo seu desenho por não conter quimioterapia no braço comparador ao randomizar pacientes após falha de tratamento com NAH, uma vez que de Wit et al. sugerem que após falha de NAH o próximo tratamento do paciente com CPmRC deva ser quimioterapia. Porém, esta não é uma sequência de tratamento adotada de maneira universal [22] 

 

Efeitos colaterais esperados com no tratamento com 177-Lu-PSMA-617 

Com os estudos TheraP e VISION, aprendemos os efeitos colaterais mais comuns com o uso de 177-Lu-PSMA-617. Os efeitos colaterais costumam ser de baixa intensidade. Boca seca por diminuição de produção de saliva é um efeito colateral novo para este medicamento. A sensação de olhos secos foi relatada no estudo TheraP, mas não no estudo Vision, em cerca de 30% dos pacientes.  Por volta de 38% dos pacientes relataram boca seca leve à moderada. Alguns efeitos colaterais do trato gastro-intestinal foram relatados pelos pacientes, como náusea, vômitos, constipação ou diarréia. Como são de baixa intensidade, não há a indicação de fazer pré-medicação. Deve-se ficar atento a mielotoxicidade como anemia, leucopenia, linfopenia e plaquetopenia. Neutropenia febril não foi relatada nos estudos.  

 

Conclusões 

Chegamos a mais um estágio do tratamento do CPmRC com radioligantes. O 177-Lu-PSMA-617 vem para nossos pacientes como mais uma ferramenta no tratamento desta doença (ainda) incurável. Claro que a excitação inicial com o estudo TheraP mostrando benefícios em relação a quimioterapia como melhor resposta por PSA, resposta objetiva e menos toxicidade tinha que ser comprovada em um estudo de fase 3, que mostrou ganho de sobrevida global. Este sim, um importante objetivo a ser alcançado para nossos pacientes.  

Algumas dúvidas ainda pairam sobre o tratamento com 177-Lu-PSMA-617. Como definir o melhor paciente para o tratamento com 177-Lu-PSMA-617? Como devemos selecionar o paciente ideal num momento em que ainda faltam biomarcadores para o manejo desta doença [23]. Há a dúvida se o PET-FDG é necessário, como no estudo TheraP [20] ou somente o PET-PSMA, como no estudo VISION [21], um estudo com número maior de pacientes, de fase 3. Adicionalmente, o paciente precisa de um tratamento padrão em concomitância, ou podemos tratar com 177-Lu-PSMA-617 como agente isolado? Aguardemos estudos para minimizar os efeitos colaterais do 177-Lu-PSMA-617 e entender mecanismos de resistência e de sinergismo com outros agentes.  

O 177-Lu-PSMA-617 foi aprovado pela ANVISA (22 de dezembro de 2023) e CMED (02 de agosto de 2024) está disponível para comercialização [24,25]* 

*Nota final adicionada pela Novartis. 

 

Referências: 

  1. Smaletz, O. and H.I. Scher, Outcome predictions for patients with metastatic prostate cancer. Semin Urol Oncol, 2002. 20(2): p. 155-63.
  2. Tannock, I.F., et al., Docetaxel plus prednisone or mitoxantrone plus prednisone for advanced prostate cancer. N Engl J Med, 2004. 351(15): p. 1502-12.
  3. Petrylak, D.P., et al., Docetaxel and estramustine compared with mitoxantrone and prednisone for advanced refractory prostate cancer. N Engl J Med, 2004. 351(15): p. 1513-20.
  4. Bono, J.S.d., et al., Abiraterone and Increased Survival in Metastatic Prostate Cancer. New England Journal of Medicine, 2011. 364(21): p. 1995-2005.
  5. Scher, H.I., et al., Increased survival with enzalutamide in prostate cancer after chemotherapy. N Engl J Med, 2012. 367(13): p. 1187-97.
  6. Beer, T.M., et al., Enzalutamide in metastatic prostate cancer before chemotherapy. N Engl J Med, 2014. 371(5): p. 424-33.
  7. Ryan, C.J., et al., Abiraterone in metastatic prostate cancer without previous chemotherapy. N Engl J Med, 2013. 368(2): p. 138-48.
  8. Sweeney, C.J., et al., Chemohormonal Therapy in Metastatic Hormone-Sensitive Prostate Cancer. N Engl J Med, 2015. 373(8): p. 737-46.
  9. Fizazi, K., et al., Abiraterone plus Prednisone in Metastatic, Castration-Sensitive Prostate Cancer. N Engl J Med, 2017. 377(4): p. 352-360.
  10. Sweeney, C.J., et al., Testosterone suppression plus enzalutamide versus testosterone suppression plus standard antiandrogen therapy for metastatic hormone-sensitive prostate cancer (ENZAMET): an international, open-label, randomised, phase 3 trial. Lancet Oncol, 2023. 24(4): p. 323-334.
  11. Smith, M.R., et al., Darolutamide and Survival in Metastatic, Hormone-Sensitive Prostate Cancer. New England Journal of Medicine, 2022. 386(12): p. 1132-1142.
  12. de Bono, J.S., et al., Prednisone plus cabazitaxel or mitoxantrone for metastatic castration-resistant prostate cancer progressing after docetaxel treatment: a randomised open-label trial. Lancet, 2010. 376(9747): p. 1147-54.
  13. Hussain, M., et al., Survival with Olaparib in Metastatic Castration-Resistant Prostate Cancer. New England Journal of Medicine, 2020. 383(24): p. 2345-2357.
  14. Clarke, N.W., et al., Abiraterone and Olaparib for Metastatic Castration-Resistant Prostate Cancer. NEJM Evidence, 2022. 1(9): p. EVIDoa2200043.
  15. Parker, C., et al., Alpha Emitter Radium-223 and Survival in Metastatic Prostate Cancer. New England Journal of Medicine, 2013. 369(3): p. 213-223.
  16. Israeli, R.S., et al., Molecular cloning of a complementary DNA encoding a prostate-specific membrane antigen. Cancer Res, 1993. 53(2): p. 227-30.
  17. Hupe, M.C., et al., Expression of Prostate-Specific Membrane Antigen (PSMA) on Biopsies Is an Independent Risk Stratifier of Prostate Cancer Patients at Time of Initial Diagnosis. Front Oncol, 2018. 8: p. 623.
  18. Vlachostergios, P.J., et al., Prostate-Specific Membrane Antigen Uptake and Survival in Metastatic Castration-Resistant Prostate Cancer. Front Oncol, 2021. 11: p. 630589.
  19. Hofman, M.S., et al., [(177)Lu]Lu-PSMA-617 versus cabazitaxel in patients with metastatic castration-resistant prostate cancer (TheraP): a randomised, open-label, phase 2 trial. Lancet, 2021. 397(10276): p. 797-804.
  20. Hofman, M.S., et al., Overall survival with [(177)Lu]Lu-PSMA-617 versus cabazitaxel in metastatic castration-resistant prostate cancer (TheraP): secondary outcomes of a randomised, open-label, phase 2 trial. Lancet Oncol, 2024. 25(1): p. 99-107.
  21. Sartor, O., et al., Lutetium-177-PSMA-617 for Metastatic Castration-Resistant Prostate Cancer. N Engl J Med, 2021. 385(12): p. 1091-1103.
  22. Freedland, S.J., et al., Real-world treatment patterns and overall survival among men with Metastatic Castration-Resistant Prostate Cancer (mCRPC) in the US Medicare population. Prostate Cancer Prostatic Dis, 2024. 27(2): p. 327-333.
  23. Gafita, A., et al., Nomograms to predict outcomes after (177)Lu-PSMA therapy in men with metastatic castration-resistant prostate cancer: an international, multicentre, retrospective study. Lancet Oncol, 2021. 22(8): p. 1115-1125.
  24. https://consultas.anvisa.gov.br/#/documentos/tecnicos/25351636049202260
  25. https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/medicamentos/cmed/precos

 

 

 

 

 

 

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