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Medicina e testes genéticos na era do Big Data

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Testes genéticos já são antigos conhecidos da medicina moderna. Por volta de 1950, médicos e cientistas já conseguiam diagnosticar as causas genéticas de patologias importantes como a Síndrome de Down [1]. Hoje em dia, diversas especialidades médicas podem contar com uma ampla gama de exames genéticos, auxiliando a prática clínica diária na obtenção de diagnósticos, indicação de riscos para o desenvolvimento de doenças e também guiando as melhores alternativas para tratamentos oncológicos.

O acesso ao conteúdo genético de um indivíduo pode ser realizado através de técnicas de sequenciamento de DNA, como o Sequenciamento por Sanger e o Sequenciamento de Nova Geração (ou NGS, do inglês Next Generation Sequencing). O NGS é uma metodologia flexível que permite analisar desde pequenas regiões ou genes específicos – através de painéis genéticos – até mesmo exomas e genomas inteiros. A prescrição de exames que fazem uso do NGS tende a aumentar nos próximos anos. Além de sua grande usabilidade clínica e escalabilidade, somam- se os fatos da diminuição dos custos de produção e a constante inclusão pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) do rastreamento genético de novas doenças cujos genes associados requerem cobertura obrigatória dos planos de saúde.

O sequenciamento por NGS de amostras genômicas leva inexoravelmente à geração de um grande volume de dados para garantia de melhor qualidade dos resultados. Para se ter uma ideia, painéis pequenos geram em média arquivos de 2 Gb, enquanto análises mais completas, como de exomas, chegam a consumir cerca de 150 Gb de armazenamento [2]. É a genética evoluindo e fazendo sua contribuição para a era dos dados, ou como comumente chamada, a era do “Big Data”.

No entanto, ao falarmos de Big Data não podemos nos remeter somente a quantidade de dados, mas devemos levar em consideração também a qualidade dessa informação e, principalmente, como extrair conhecimento relevante de fontes tão ricas e complexas. O valor real de um exame genético está não somente na quantidade de genes analisados, mas também no conhecimento associado aos resultados observados. Em outras palavras, devemos nos perguntar qual o significado clínico de uma variante genética? Como ela afeta a função do gene e de sua via metabólica? Outros estudos científicos endossam essas evidências? Qual a influência dessa descoberta no tratamento do paciente?

E como responder todas essas questões? Hoje em dia contamos com milhares de bancos de dados biológicos humanos de acesso livre para qualquer indivíduo com acesso à internet. Esses repositórios armazenam desde dados brutos até dados curados por especialistas, abrangendo informação de DNA, RNA, proteínas, vias metabólicas, epigenética, dados de expressão e regulação gênica e suas correlações com patologias [3]. A elaboração de um laudo genético deve ir além de uma simples relação de variantes genéticas detectadas e valores estatísticos de sensibilidade e especificidade. Para isso, é necessário o olhar de especialistas na consulta e interpretação desses diversos bancos de dados e, muitas vezes, a construção de bancos de dados próprios dos laboratórios a fim de organizar suas descobertas e contribuir com o avanço da ciência nas respectivas patologias.

Há, atualmente, uma grande corrida para o desenvolvimento de novas ferramentas computacionais capazes de processar o Big Data biológico de forma mais automática e aplicá-lo de forma mais efetiva na prática clínica. Em breve, médicos em seus consultórios terão acesso aos seus assistentes virtuais dotados de algoritmos capazes de relacionar rapidamente o histórico clínico completo do paciente e seus familiares com dados genéticos, literatura científica e bancos de dados de doenças e medicamentos, tornando o diagnóstico mais preciso e o tratamento mais efetivo. Não se trata de uma previsão futurística desacoplada da realidade. Prova disso é investimento massivo nessa área de empresas de peso como as gigantes Google [4], IBM [5] e Intel [6], através do desenvolvimento de algoritmos que possuem o que há de mais atual na tecnologia de inteligência artificial (ou AI, do inglês Artificial Intelligence). Esses algoritmos são capazes de encontrar padrões e tendências em um grande volume e variedade de dados, nos quais outros programas computacionais tradicionais não teriam sucesso, o que implica em ganhos potenciais ainda inimagináveis para a população. De fato, já estamos começando a ver os primeiros sinais do potencial dessa tecnologia. Recentemente, programas baseados em AI para o reconhecimento de imagens superaram dermatologistas experientes na detecção e classificação de melanomas [7]. Essa tecnologia também promete revolucionar a descoberta de novos fármacos, tornando o processo significativamente mais rápido, barato e preciso [8]. Programas como esses não devem ser vistos como ameaças pelos profissionais da saúde, mas sim como grandes aliados que não anulam o papel humano da equação.

Testes genéticos, acompanhados de aconselhamento de um profissional qualificado são, antes de tudo, uma importante ferramenta clínica, que contribuem para tratamentos mais eficazes e diagnósticos mais assertivos. Seja para matar a curiosidade sobre nossa ancestralidade, avaliar a predisposição para o desenvolvimento de cardiomiopatias, descobrir qual mutação originou um tumor ou a causa de uma doença rara, a verdade é que os exames genéticos associados à era do Big Data vieram para ficar, e com eles estamos testemunhando o início de uma grande revolução na medicina.

Rafael Lucas Muniz Guedes
PhD em Bioinformática
Pesquisador do grupo Hermes Pardini.

Referências
[1] L. Jérôme, T. Raymond, and M. M. Gautier, “Le mongolisme premier exemple d’aberration autosomique humaine,” Ann. Génétique, vol. 1, pp. 41–49, 1959.
[2] S. Roy et al., “Next-Generation Sequencing Informatics: Challenges and Strategies for
Implementation in a Clinical Environment,” Arch. Pathol. Lab. Med., vol. 140, no. 9, pp. 958–975, Sep. 2016.
[3] D. Zou, L. Ma, J. Yu, and Z. Zhang, “Biological Databases for Human Research,” Genomics. Proteomics Bioinformatics, vol. 13, no. 1, pp. 55–63, Feb. 2015.
[4] “https://deepmind.com/applied/deepmind-health/.” .
[5] “https://www.ibm.com/watson/health/.” .
[6] “https://www.lumiata.com/.” .
[7] H. A. Haenssle et al., “Man against machine: diagnostic performance of a deep learning convolutional neural network for dermoscopic melanoma recognition in comparison to 58 dermatologists,” Ann. Oncol., May 2018.
[8] N. Fleming, “How artificial intelligence is changing drug discovery,” Nature, vol. 557, no. 7707, pp. S55–S57, May 2018.

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