Como a biópsia líquida tem mudado a história de pacientes com câncer de pulmão - Oncologia Brasil

Como a biópsia líquida tem mudado a história de pacientes com câncer de pulmão

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O que é a biópsia líquida?
Há mais de 150 anos, o médico inglês Henry Bence Jones identificou pela primeira vez uma proteína característica de mieloma múltiplo na urina de pacientes com esse tipo de câncer. Desde então, mais de 200 proteínas já foram identificadas como marcadores biológicos de surgimento, crescimento ou regressão de tumores. Mas foi em 1948 que Mandel & Metais [1] descreveram a presença de DNA tumoral circulante (ctDNA) no sangue. Os pesquisadores perceberam o potencial deste marcador de discriminar pacientes com câncer dos indivíduos saudáveis. Nascia ali a biópsia líquida (BL), um teste feito em uma amostra de sangue, urina ou saliva que identifica ctDNA, células tumorais circulantes (CTCs), exossomos e microRNAs advindos do tumor e que estão circulando nos fluidos biológicos [2,3]. Portanto, a biópsia líquida pode ser usada para identificar o câncer ainda em um estágio mais inicial ou pode ser usada para auxiliar no planejamento terapêutico dos pacientes com câncer [4]. No exterior e agora no Brasil, a biópsia líquida já é realidade na rotina clínica dos oncologistas.

Para qual tipo de câncer ela está indicada?
Teoricamente, para qualquer tipo de tumor sólido. Porém, esse exame é indicado e validado para casos de câncer de pulmão não-pequenas células (CPNPC). Nos casos refratários ao tratamento, onde a re-biópsia ou punção são indicadas, a BL pode ser uma alternativa menos dolorosa para o paciente. Além disso, coletas seriadas de biópsia líquida podem detectar recidiva ou metástases antes da detecção por imagem. Por isso a BL revolucionou a maneira como o oncologista tem acesso a informações contidas no tumor, utilizando apenas uma coleta de sangue.

A biopsia líquida substitui a biópsia convencional? Como elas se complementam? Quais os benefícios?
A biópsia líquida não substitui a biópsia convencional. O diagnóstico histológico através da biópsia convencional continua sendo a primeira linha para confirmar e classificar o câncer. Quando o câncer de pulmão não pequenas células é diagnosticado, a investigação de marcadores adicionais é indicada, que pode incluir a pesquisa de variantes em genes como EGFR, ALK, ROS1 e BRAF, além da expressão de PD-L1. Os benefícios dessas investigações são as opções terapêuticas associadas a positividade dos marcadores, como inibidores de receptores tirosina-quinase (EGFR, ALK, ROS1) ou imunoterapia (PD-L1). A biópsia líquida pode complementar a convencional na pesquisa de alguns destes marcadores, principalmente quando o material de biópsia for escasso ou de má qualidade.

A biópsia líquida pode ainda detectar mutações que não estejam presentes no estudo da biópsia tumoral devido a heterogeneidade tumoral. Nos casos refratários ao tratamento inicial, ainvestigação de mutações em EGFR por biópsia líquida pode ser solicitada, a fim de encontrar mutações de resistência que possam ajudar o oncologista a decidir pelo melhor tratamento dirigido.

Qual o momento mais indicado para solicitar a coleta da biopsia líquida? E quais são os resultados esperados?
É sabido que vários mecanismos moleculares induzem a resistência ao tratamento do câncer. Um deles, presente em torno de 20 a 25% dos CPNPCs, são alterações genéticas no gene EGFR. As mutações L858R e deleções no exón 19 (DEL 19) foram descritas como “mutações de sensibilidade” a tratamentos orais direcionados contra o receptor EGFR. Portanto, solicitar a investigação dessas mutações faz sentido clinicamente antes do paciente iniciar o tratamento oncológico. Quando o paciente recebe um tratamento de primeira ou segunda geração com inibidores de EGFR, pode ser indicada a pesquisa da mutação T790M no momento da progressão, descrita como “mutação de
resistência” ao tratamento. Nesse caso, o resultado esperado do teste é a diminuição ou manutenção de L858R e DEL 19 e a positividade de T790M. Resultados assim são indicativos para tratamento com novos inibidores tirosina-quinase de terceira geração [5]. Vale ressaltar novamente que os tumores são heterogêneos, principalmente as recidivas e metástases, e que esse tipo de perfil mutacional pode não seguir esse padrão. Além disso, seguir boas práticas pré-analíticas no momento da coleta de biópsia líquida, tema que foi discutido em outro artigo do nosso grupo, interfere na sensibilidade dos testes.

Assista o vídeo abaixo sobre o tema:

Referências
1. Mandel P, Metais P. Les acides nucléiques du plasma sanguin chez l’homme. C R Seances Soc Biol Fil. 1948; 142:241–3.
2. Domínguez-Vigil IG, Moreno-Martínez AK, Wang JY, Roehrl MHA, Barrera-Saldaña HA. The dawn of the liquid biopsy in the fight against cancer. Oncotarget. 2017;9:2912-2922.
3. Zorzetto R. Biópsia líquida começa a ser usada para avaliar a evolução de tumores e a necessidade de mudar o tratamento, Pesquisa FAPESP. 2017; 253:51-55.
4. https://www.cancer.gov/publications/dictionaries/cancer-terms/def/liquid-biopsy
5. Oxnard GR, Paweletz CP, Kuang Y, Mach SL, O’Connell A, Messineo MM, et al. Noninvasive detection of response and resistance in EGFR-mutant lung cancer using quantitative nextgeneration genotyping of cell-free plasma DNA. Clin Cancer Res. 2014 Mar 15;20(6):1698- 1705. doi: 10.1158/1078-0432.CCR-13-2482.

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