O surgimento de novos agentes altamente ativos no tratamento do mieloma múltiplo (MM) recém-diagnosticado tem levado a questionamentos quanto ao papel do transplante autólogo de células tronco hematopoiéticas (autologous hematopoietic stem-cell transplantation, ASCT) seguido de terapia de consolidação.
Resultados prévios de sobrevida livre de progressão já tinham sido publicados em 2020, demonstrando superioridade de ASCT em comparação a VMP, mas nenhuma diferença de sobrevida global entre os grupos foi encontrada até o momento.
Nesse contexto, foi apresentado no 62º Congresso Anual da ASH o EMN02/HO95, um estudo multicêntrico, randomizado, aberto e de fase III para pacientes com MM recém-diagnosticado. O ensaio incluiu dois estágios de randomização na proporção 1:1: R1: em que era realizada a terapia de intensificação com ASCT inicial versus bortezomibe–melfalan-prednisona (VMP); e, posteriormente, o estágio R2 de terapia com ou sem consolidação, seguida de manutenção com lenalidomida em ambos os braços.
Os resultados da análise final do R1 foram anteriormente publicados por Cavo et al. na revista The Lancet Haematology. Após um acompanhamento médio de 60,5 meses, o estudo alcançou seu desfecho primário de sobrevida livre de progressão (SLP), demonstrando superioridade de ASCT em comparação a VMP (mediana, 57 versus 42 meses; HR 0,73, IC 95% 0,62-0,85, p ajustado = 0,0001). No entanto, nenhuma diferença de sobrevida global (SG) entre os grupos foi encontrada (HR 0,90, 0,71-1,13, p ajustado = 0,35).
Agora, foi apresentada uma análise atualizada com seguimento de longo prazo. Os desfechos de eficácia incluíram SG, SLP na terapia de linha subsequente (SLP2) e tempo até o próximo tratamento (TPT). As análises foram restritas a pacientes randomizados para ASCT (n = 702) ou VMP (n = 495). Os desfechos clínicos de pacientes randomizados para tratamento inicial com ASCT ou àqueles em que ASCT foi realizado no momento da progressão após randomização primária para o grupo VMP (ASCT tardio) também foram explorados.
Em um acompanhamento médio estendido de 75 meses, os pacientes randomizados para ASCT tiveram uma SG significativamente mais longa do que aqueles do grupo VMP.
A SG mediana não foi alcançada em ambos os braços e a estimativa de sobrevida aos 75 meses foi de 69% no grupo ASCT versus 63% no VMP (HR 0,81; IC 95% 0,66-0-98, p ajustado = 0,034). Os pacientes que mais se beneficiaram da terapia com ASCT foram os de características prognósticas desfavoráveis no baseline, incluindo doença ISS estadio 2-3 (HR 0,78, IC 95% 0,61-0,99, p = 0,047), R-ISS estadio 2-3 (HR 0,79, IC 95% 0,62-0,99, p = 0,042), e a presença de pelo menos uma das seguintes anormalidades citogenéticas no FISH: t(4;14) e/ou t(14;16) em ≥10% plasmócitos CD138 positivos, e/ou del(17p) em ≥20% plasmócitos enriquecidos.
No geral, a estimativa de SG em 75 meses aos pacientes com perfil citogenético de alto risco foi de 54% com ASCT versus 39% com VMP (HR 0,61; IC 95% 0,42-0,89; p = 0,010). A magnitude do benefício de SG com ASCT, conforme medido pelo valor de HR, foi maior para pacientes com del(17p) (HR 0,49, IC 95% 0,28-0,86, p = 0,013).
A SLP2 de R1 foi significativamente maior no braço ASCT do que no VMP. A estimativa de SLP2 aos 75 meses foi de 57% no grupo ASCT e 49% no grupo VMP (HR 0,76; IC 95% 0,64-0,90; p ajustado = 0,002).
Os pacientes randomizados para ASCT tiveram um TPT significativamente maior em comparação aos do grupo VMP. Os valores médios de TPT foram de 66 versus 47 meses, respectivamente (HR 0,71; IC 95% 0,60-0,82; p ajustado < 0,001).
As características demográficas e clínicas no início do estudo dos pacientes no grupo ASCT tardio foram comparáveis às dos randomizados para ASCT inicial. SLP2 e TPT no grupo ASCT inicial foram significativamente mais longos do que no grupo ASCT tardio. Os valores de SLP2 foram 85 versus 51 meses, respectivamente (HR 0,52; IC 95% 0,40-0,66; p <0,001). Os valores de TPT foram 59 versus 29 meses, respectivamente (HR 0,32; IC 95% 0,26-0,40; p ajustado <0,001). No momento em que esta análise foi realizada, a taxa de eventos de morte era de 30% no grupo ASCT inicial versus 46% no ASCT tardio.
Em ambos os braços, a manutenção da lenalidomida na dose de 10 mg por via oral nos dias 1 a 21 de um ciclo de 28 dias foi planejada até a progressão de doença ou toxicidade intolerável. A duração média do tratamento com lenalidomida foi de 34 meses; 28% dos pacientes ainda estavam em tratamento 60 meses após o início da lenalidomida e 31% descontinuaram devido a eventos adversos relacionados ao tratamento (27%) ou segundas neoplasias primárias (4%).
Em um acompanhamento médio de 70 meses desde o início da terapia de manutenção, a mediana de SLP com lenalidomida foi de 56 meses no braço ASCT e 42 meses no VMP (HR 0,77; IC 95% 0,65-0,91; p ajustado = 0,002). As curvas de SG começaram a divergir em 5 anos e a estimativa aos 70 meses foi de 74% no braço ASCT versus 69% no VMP, sugerindo que uma análise de acompanhamento de longo prazo é necessária.
Os autores concluem que o ASCT inicial prolongou significativamente a SG, a SLP2 e o TPT em comparação ao VMP em pacientes com mieloma múltiplo recém-diagnosticado.
Referências:
Cavo M, Gay F, Beksac M, Pantani L, Petrucci MT, Dimopoulos MA, Dozza L, van der Holt B, Zweegman S, Oliva S, van der Velden VH. Autologous haematopoietic stem-cell transplantation versus bortezomib–melphalan–prednisone, with or without bortezomib–lenalidomide–dexamethasone consolidation therapy, and lenalidomide maintenance for newly diagnosed multiple myeloma (EMN02/HO95): a multicentre, randomised, open-label, phase 3 study. The Lancet Haematology. 2020 Apr 30.
Cavo M, et al. Upfront Autologous Hematopoietic Stem-Cell Transplantation Improves Overall Survival in Comparison with Bortezomib-Based Intensification Therapy in Newly Diagnosed Multiple Myeloma: Long-Term Follow-up Analysis of the Randomized Phase 3 EMN02/HO95 Study. Abstract 142. Presented at: 62nd ASH Annual Meeting and Exposition, 2020.
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