Resultados de ensaio clínico de fase II sugerem potencial de combinação com vemurafenibe e cobimetinibe para o tratamento de craniofaringiomas papilares
Craniofaringiomas são tumores epiteliais cerebrais raros (incidência: 0,19/100.000) que surgem no eixo hipotalâmico-hipofisário. Apesar da natureza benigna, esses tumores representam desafios terapêuticos, uma vez que se aderem firmemente a estruturas vasculares e ao quiasma óptico. Dessa forma, ressecções incompletas são frequentes, e a taxa de recidiva para esses tumores é alta. A radioterapia é comumente utilizada como tratamento após a cirurgia para controlar a recidiva; entretanto, a taxa de morbidade da doença é alta devido às sequelas ocasionadas pelo crescimento tumoral, pela cirurgia e pelos efeitos tóxicos da radioterapia nas estruturas cerebrais e glandulares atingidas, que diminuem significativamente a qualidade de vida dos pacientes.
O conhecimento limitado acerca da natureza molecular da doença limitou o desenvolvimento de terapias, e atualmente não há tratamento efetivo para a doença. Histologicamente, são reconhecidos dois tipos de craniofaringiomas: os adamantinomatosos e os papilares; mas essa diferenciação não tem impacto terapêutico. Em um estudo genético identificou-se a presença mutação BRAF V600E em 94% dos tumores papilares, enquanto 96% os tumores adamantinomatosos apresentaram mutações em beta-catenina (gene CTNNB1), estabelecendo bases moleculares para esses subtipos. Essa descoberta, aliada às taxas de resposta dos recém-desenvolvidos inibidores de BRAF em MEK em tumores com mutação BRAF V600E, levou ao uso desses inibidores também em craniofaringiomas papilares; entretanto, a eficácia e segurança desse tratamento em tumores que não passaram por radioterapia é pouco conhecida. Assim, um ensaio clínico de fase II, cujos resultados foram recentemente publicados na revista New England Journal of Medicine, buscou avaliar esses fatores.
Para tal, o estudo recrutou 17 pacientes com craniofaringioma papilar que não haviam recebido radioterapia entre fevereiro de 2018 e março de 2021. Desses, 16 efetivamente receberam tratamento, que consistiu em ciclos de 28 dias com 960 mg de vemurafenibe oral duas vezes ao dia pelos 28 dias e 60 mg de cobimetinibe oral uma vez ao dia por 21 dias. O estudo pré-especificou quatro ciclos de tratamento, após os quais os pacientes deveriam receber tratamento definitivo com cirurgia ou radioterapia; entretanto, o tratamento continuado com vemurafenibe-cobimetinibe foi permitido para pacientes que estivessem se beneficiando do tratamento, nos quais a cirurgia ou radioterapia não fossem recomendados ou se o paciente recusasse esses tratamentos. O desfecho primário avaliado foi a resposta objetiva e desfechos secundários incluíram sobrevida livre de progressão, sobrevida global, duração de resposta e efeitos adversos.
Dos pacientes recrutados, 5 eram pacientes com menos de 50% de ressecção cirúrgica da massa tumoral, 4 tiveram ao menos 50% da massa removida, 4 foram apenas biopsiados e 3 tiveram ressecção completa mas apresentaram recidiva. O número mediano de ciclos por paciente com ao menos uma das drogas foi 8, enquanto o número mediano de ciclos com ambas foi 6 (variando de 1 a 12). Dos pacientes que completaram os ciclos, 6 receberam radioterapia isoladamente como tratamento curativo, 1 recebeu radiação seguida por cirurgia, 1 recebeu radiação seguida por dabrafenibe, 1 paciente recebeu vemurafenibe-cobimetinibe fora do protocolo e 7 pacientes não receberam qualquer tratamento após interrupção do tratamento protocolar.
Dos 16 pacientes, 15 (94%) apresentaram resposta volumétrica (IC95%: 70 – 100), sendo que o único paciente que apresentou progressão da doença havia interrompido o tratamento após 8 dias devido a toxicidade (anafilaxia de grau 3 e lesão renal de grau 2). Nos respondedores, a redução do volume tumoral mediana foi de 91% (variando de 61% a 99%). A sobrevida livre de progressão em 12 meses foi estimada em 87% (IC95%: 57 – 98) e em 24 meses foi estimada em 58% (IC95%: 10 – 89). A sobrevida global foi de 100% em ambos tempos. No acompanhamento mediano de 22 meses (IC95%: 19 – 30), a proporção de pacientes com resposta continuada em 12 meses foi de 93% (IC95%: 80 – 100). Em três pacientes que tiveram resposta, a doença progrediu após o término do tratamento. Dos 7 pacientes que não receberam tratamento após o término do protocolo, 6 não tiveram evidência de progressão após 23 meses de acompanhamento. Nenhum paciente progrediu durante o tratamento com vemurafenibe-cobimetinibe.
Na avaliação de segurança, 12 pacientes apresentaram ao menos um evento adverso de grau III e 2 apresentaram eventos adversos de grau IV pelo menos possivelmente relacionado ao tratamento. Três pacientes interromperam o tratamento por conta de eventos adversos, com duração mediana de tratamento de 31 dias. Eventos de grau III observados em ao menos 2 pacientes foram: erupções cutâneas, desidratação, aumento de fosfatase alcalina e prolongamento do intervalo QT corrigido. Um paciente apresentou elevação de grau IV de quinase de creatina e outro apresentou hiperglicemia de grau IV.
Em conclusão, os resultados apresentados no estudo demonstram o potencial do uso de inibidores de BRAF-MEK para o tratamento de craniofaringiomas papilares e sugerem o uso desses inibidores como tratamento inicial para redução da massa tumoral antes do uso da cirurgia e/ou radioterapia, de modo a mitigar a agressividade, toxicidade e, consequentemente, a morbidade associadas a esses tratamentos.
Referência
Bastianos et al. BRAF–MEK Inhibition in Newly Diagnosed Papillary Craniopharyngiomas. New England Journal of Medicine. 2023. Doi: 10.1056/NEJMoa2213329
Alameda Campinas, 579 – Jardim Paulista, São Paulo – SP, 01404-100
CEO: Thomas Almeida
Editor científico: Paulo Cavalcanti
Redatora: Bruna Marchetti
© 2020 Oncologia Brasil
A Oncologia Brasil é uma empresa do Grupo MDHealth. Não provemos prescrições, consultas ou conselhos médicos, assim como não realizamos diagnósticos ou
tratamentos.