Dr. Tiago Biachi, Advanced Fellow de Oncologia Gastrointestinal Memorial Sloan Kettering Cancer Center, discute nesta coluna sobre controvérsias no tratamento de tumores da transição esofagogástrica, abordando os principais estudos clínicos da área
No que diz respeito ao tratamento da doença localizada, poucos assuntos são mais polêmicos que como tratar um adenocarcinoma da transição esofagogástrica (TEG). Historicamente, tumores nessa topografia foram incluídos nos estudos de esôfago, grande parte envolvendo radioterapia, e nos estudos de câncer gástrico, predominantemente envolvendo quimioterapia isolada. Essa discussão foi retomada recentemente com a apresentação dos dados do estudo CheckMate 577, que incorporou o uso de imunoterapia adjuvante para pacientes previamente tratados com quimiorradioterapia neoadjuvante.
Esse tema se torna ainda mais relevante quando olhamos para alguns números: anualmente, existe um aumento 4-10% na incidência de adenocarcinoma da TEG nos EUA, resultado da crescente epidemia de obesidade e doença do refluxo. A classificação de Siewert, publicada em 1998, ainda serve como referência anatômica, sendo utilizada, principalmente, para guiar o tratamento cirúrgico.
Tumores mais proximais (Siewert I) são tratados cirurgicamente com esofagectomia, e, portanto, vários advogam que para esses pacientes, a quimiorradioterapia aos moldes do estudo CROSS seria mais justificável. Como supracitado, os dados do estudo Checkmate 577 demonstraram benefício em termos de SLD (11 vs 22 meses; HR 0,69; P = 0,0003) e o uso de nivolumabe adjuvante por um ano para aqueles sem resposta patológica completa deve ser recomendado.
Tumores mais distais (Siewert III) são tratados com gastrectomia e possuem um comportamento biológico mais próximo de um câncer gástrico, sendo, portanto, a quimioterapia peri-operatória uma opção mais atraente. Nesse cenário, o estudo FLOT, que incorporou um taxano ao regime de tratamento, demonstrou superioridade quando comparado ao regime prévio preconizado pelo estudo MAGIC: SG mediana 50 vs 35 meses e HR 0,77. Pelo menos dois grandes estudos de fase III, Keynote 585 (NCT03221426) e Matterhorn (NCT04592913), estão avaliando a incorporação de imunoterapia (pembrolizumabe e durvalumabe, respectivamente) ao backbone de quimioterapia, ambos com resultados ainda pendentes.
A polêmica se torna ainda maior no que se refere aos tumores de localização intermediária, ou Siewert II. O estudo NeoAEGIS teve seus dados apresentados e demonstrou equivalência entre os esquemas preconizados nos estudos MAGIC e CROSS. Apenas 27 pacientes (15%) receberam FLOT e, tendo em vista a comparação prévia deste regime com o proposto pelo estudo clínico MAGIC, o estudo NeoAEGIS nos fornece, no máximo, uma inferência matemática indireta de que FLOT seria superior ao CROSS. Uma recomendação seria, quando se deparar com um paciente com adenocarcinoma da TEG, sempre avaliar as suas características e a população dos estudos aqui mencionados. Por exemplo, pacientes com um extenso acometimento linfonodal, principalmente aqueles com linfonodos no tronco celíaco, provavelmente se beneficiarão mais se o tratamento sistêmico for intensificado.
O que é indiscutível é nestes cenários, mais do que nunca, trabalhar em equipe é fundamental. Discutir antecipadamente o plano de tratamento em um tumor board contendo as diversas especialidades envolvidas nos cuidados desses pacientes é de suma importância. Esse benefício foi quantificado por Huang et al., que demonstraram redução de 27% no risco de morte em pacientes com câncer de esôfago que tiveram seus casos discutidos em reunião multidisciplinar (HR = 0,73; 95% IC 0,67–0,79).
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