Uso de Dabrafenibe associado a Trametinibe como primeira linha em Gliomas pediátricos com mutações BRAF V600 - Oncologia Brasil

Uso de Dabrafenibe associado a Trametinibe como primeira linha em Gliomas pediátricos com mutações BRAF V600

5 min. de leitura

Ensaio de fase II demonstra que uso combinado de dabarafenibe e trametinibe resulta em ganho de benefício clínico e maior segurança no tratamento de gliomas pediátricos de baixo grau com mutação BRAF V600E em relação ao tratamento quimioterápico padrão 

 

Gliomas são um grupo heterogêneo de cânceres classificados em baixo grau (I e II, incluindo astrocitomas pilocíticos e gangliogliomas) e alto grau (III e IV, incluindo astrocitoma anaplásico e glioblastoma) e que correspondem a 45% de todos os tumores pediátricos do sistema nervoso central. A base do tratamento para esses pacientes pediátricos consiste na ressecção, objetivando a máxima remoção de tecido tumoral possível com segurança (preservando estrutura e função cerebral); entretanto, tratamentos adicionais são necessários quando a ressecção total não é possível. Nesses casos, a quimioterapia frequentemente falha em prevenir recidivas e progressões que levam a comprometimentos funcionais, enquanto a radioterapia está associada a comprometimento neurológico e cognitivo a longo prazo, destacando a necessidade de desenvolvimento de alternativas terapêuticas mais eficazes e seguras. 

Avanços recentes na caracterização molecular da doença revelaram que entre 15 e 20% dos pacientes com gliomas de baixo grau apresentam mutações BRAF V600E. Diversos estudos demonstram que essa alteração está associada a piores prognósticos e piores respostas à quimioterapia em tumores sólidos; entretanto, o desenvolvimento e aplicação do inibidor seletivo de BRAF V600 dabrafenibe combinado ao inibidor de MEK1/2 trametinibe demonstrou benefício clínico em diversos tumores sólidos com essa mutação. O uso de dabrafenibe em gliomas de baixo grau previamente tratados demonstrou resultados promissores, suportando a avaliação da combinação nesses tumores. Um ensaio clínico de fase 1/2 (NCT02124772) demonstrou o perfil de segurança e eficácia clínica preliminar do uso da combinação em primeira linha nesses cânceres. Mais recentemente, resultados de um ensaio clínico randomizado de fase 2 (NCT02684058) publicados na revista New England Journal of Medicine, confirmam a eficácia e segurança desse tratamento em primeira linha, e são discutidos a seguir. 

Para o estudo, foram recrutados 110 pacientes pediátricos (1-17 anos) com glioma de baixo grau e mutações BRAF V600 (95% BRAF V600E), provenientes de 20 países, entre setembro de 2018 e dezembro de 2020. Esses foram então randomizados (2:1) para receber tratamento combinado (N = 73) de dabrafenibe (oral, 5,25 mg/kg para pacientes abaixo de 12 anos ou 4,5 mg/kg para pacientes de 12 anos ou mais, divididos em 2 doses diárias) e trametinibe (oral, uma vez ao dia, 0,032 mg/kg para menores de 6 anos ou 0,025 mg/kg para pacientes com ao menos 6 anos) ou tratamento quimioterápico padrão com carboplatina e vincristina (grupo controle, N = 37). O desfecho primário avaliado foi a taxa de resposta global, enquanto desfechos secundários incluíram a duração da resposta, sobrevida livre de progressão e sobrevida global, além da avaliação de segurança por meio do monitoramento de eventos adversos. 

Na data limite, o acompanhamento mediano foi de 18,9 meses (variando de 7,9 a 35,4), e 84% dos pacientes no grupo dabrafenibe+trametinibe ainda estavam em tratamento, enquanto no grupo controle, 22% dos pacientes ainda recebiam quimioterapia. No primeiro grupo, 12 pacientes abandonaram o tratamento, 5 deles (7% da coorte total) por progressão; já no grupo controle 9 pacientes completaram o tratamento e 16 o abandonaram, 9 desses (24% do grupo total) por progressão da doença. O tempo mediano de exposição ao tratamento no grupo de estudo foi 17,4 meses, enquanto no grupo controle foi de 7,8 meses.  

A taxa de resposta global observada no grupo tratado com dabrafenibe+trametinibe foi de 47% (correspondendo a 2 respostas completas e 32 parciais), enquanto no grupo tratado com quimioterapia foi de 11% (correspondendo a 1 resposta completa e 3 parciais), resultando em uma razão de riscos de 4,31 (IC95%: 1,7 – 11,2; P<0,001). Benefício clínico, definido como reposta sustentada ou doença estável por pelo menos 24 semanas, foi observado entre 86% dos pacientes no grupo de estudo e em 46% no grupo controle (razão de riscos: 1,88; IC95%: 1,3 – 2,7). Ainda, de 9 pacientes no grupo controle que migraram para o tratamento com dabrafenibe+trametinibe após progressão, 3 apresentaram uma resposta inicial (6 de acordo com avaliação do investigador) e 8 ainda recebiam tratamento até a data limite para análise. As taxas de resposta foram consistentes entre subgrupos histológicos ou definidos por mutação em CDKN2A. 

A sobrevida livre de progressão também foi maior entre pacientes do grupo recebendo dabrafenibe+trametinibe (mediana: 20,1 meses; IC95%: 12,8 – NA) que no grupo recebendo quimioterapia (mediana: 7,4 meses; IC95%: 3,6 – 11,8) resultando em um risco relativo de 0,31 (IC95%: 0,17 – 0,55; P<0,001).  Em 6 meses, a taxa de sobrevida livre de progressão no grupo de estudo foi de 87% (IC95%: 77 – 93) enquanto no grupo controle foi de 58% (IC95%: 39 – 73); já em 12 meses essas taxas foram de 67% (IC95%: 53 – 77) e 26% (IC95%: 10 – 46), respectivamente. Não foram reportadas mortes no grupo de estudo, enquanto uma morte foi reportada em um paciente randomizado para receber quimioterapia e completou o tratamento. Por fim, em questionários de saúde, pacientes no grupo de estudo apresentaram melhores resultados de saúde global e fadiga, além de apresentarem maior a taxa de melhora de acuidade visual entre pacientes com tumores próximos ao quiasma óptico. 

Todos os pacientes do estudo apresentaram ao menos um evento adverso, entretanto a taxa de eventos de grau 3 ou mais foi menor no grupo tratado com dabrafenibe+trametinibe quando comparada a do grupo que recebeu quimioterapia (47% vs. 94%).  Os eventos adversos mais comuns no grupo de estudo em relação ao grupo controle foram febre (68% vs. 18%), dor de cabeça (47% vs. 27%) e vômito (34% vs 48%). Eventos adversos de grau 3 ou mais acometendo ao menos 15% dos pacientes em qualquer um dos grupos incluíram leucopenia (0% no grupo de estudo vs. 15% no grupo controle), anemia (0 vs. 25%) e neutropenia (5% vs 48%). Alergia à carboplatina foi relatada em 21% dos pacientes no grupo controle. A frequência de eventos adversos levando à redução ou interrupção de dose foi 79% em ambos os grupos, enquanto o abandono do tratamento devido a eventos adversos foi menos frequente no grupo de estudo (4%) que no grupo controle (18%).  

Assim, os resultados reforçam a superioridade de eficácia e segurança do uso de dabrafanibe associado a trametinibe como primeira linha de tratamento para gliomas pediátricos de baixo grau com mutações BRAF V600 em comparação à quimioterapia padrão, e sugerem que essa pode ser uma alternativa promissora para o tratamento desses tumores ao promover altas taxas de resposta, aumento de sobrevida enquanto apresenta menor incidência de eventos adversos de grau 3 ou mais. 

 

Referência

Bouffet et al. Dabrafenib plus Trametinib in Pediatric Glioma with BRAF V600 Mutations. The New England Journal of Medicine (2023), 389:1108-20.  Doi: https://doi.org/ 10.1056/NEJMoa2303815